segunda-feira, dezembro 29, 2008

pra essa passagem

Eu tomo, meio descontextualizado, o intertítulo de uma das coisas que ando lendo...

"Uma utopia: não esquecer nada."

quinta-feira, dezembro 25, 2008

nota raivosa

Hoje eu tô odiando em atacado.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

mais uma vez, finais

É que o natal pra mim, como para muitas outras pessoas que eu conheço, nunca foi o que se poderia chamar de uma data adorável. No entanto, eu também nunca fui do tipo que fica reclamando, sentindo-se excessivamente incomodado, simplesmente porque nunca houve motivo para tanto. Mais que isso, a ocasião me parece o momento em que estão em jogo as convenções mesmas com que se marca a passagem do tempo e as relações familiares.

A simbologia natalina surge como um elemento que se soma ao acúmulo de indícios de um final de ciclo que culmina no reveillon. Sim, porque se não sou religioso, mantenho minha crença no calendário cristão-ocidental e penso a minha vida em anos, embora esses anos nem sempre terminem em 31 de dezembro e comecem no dia 01 de janeiro. (O ano passado, por exemplo, começou em março, e o meu 2008, tal como o vivi até então, suspeito que tenha terminado no dia 29 de novembro, quando a pós teve um churrasco de confraternização que me pareceu também de despedida e Lavínia fez, no mesmo dia, o que anunciou como a última – pelo menos por enquanto – das muitas e já célebres farras no seu apartamento).

De repente é isso que está em jogo nesse natal: uma série de despedidas, últimas vezes, conclusões e também de mudanças significativas nos termos em que os afetos e as amizades são vividos e sonhados cotidianamente. Série que, em contrapartida, não viu ainda o anúncio de nenhuma estréia – embora os mais otimistas não percam tempo em lembrar que estaríamos sempre começando.

Mas é a necessidade de inventar estes tais começos aquilo em que eu sempre acreditei. É a sua natureza inventada – e, como tal, nem um pouco espontânea – o que fica mais claro justamente durante esses tais períodos festivos. Indo mais longe, é na própria necessidade de construir climas, arquitetar humores e contextos propícios para inspirar a invenção de planos e mudanças que eu de fato acredito. Os mais empolgadinhos podem não entender, mas é que eu não nasci com uma disposição inextinguível para a vida: ou eu me cobro essa procura por algo interessante, por uma motivação que ocupe minhas horas, ou eu começo a achar tudo irremediavelmente tedioso.

Em 2002, quando eu tinha começado a estagiar e, portanto, não podia viajar no natal, eu ficava em um momento drama ouvindo Joni Mitchell (“I wish I had a river I could skate away on...”) e achando ruim não poder visitar minha família. Acho que é porque eu me sentia ainda muito sozinho em Recife, na época, e a ceia em casa foi a minha melhor fantasia de compreensão e acolhimento perdidos cuja perda eu poderia lamentar. Hoje eu vejo que não me sensibilizam muito, afinal, essas pequenas ocasiões familiares. Um dia, provavelmente. Por enquanto, para além do ritual, o que me interessa é onde, com quem e em que circunstâncias eu estabeleço esse marco que é o fim e o início de qualquer coisa. Mais ainda, interessa-me que as circunstâncias sempre mudem, assim como as pessoas, os lugares. Se em algum momento a gente sempre precisa estabelecer cegamente um valor capaz de reger nossas escolhas, há tempos eu já optei pela mobilidade: pra não criar lodo e talvez porque, como está todo mundo sempre passando, saindo, chegando, antecipar um movimento é sempre uma forma de não ficar para trás.

Essa fantasia de passagem e esse modo de vida precário, mesmo quando o dia-a-dia denuncia certa fixidez e conforto, são a recorrência de um clima propício, um humor inventado, uma subjetividade mais que um conjunto de ações concretas, uma iminência de partir, uma forma transitória de perceber os encontros e transformar isso em afeto (“I drew a map of Canadá, Oh Canadá!, With your face sketched on it twice...”), história que se conta e, ao ser contada, ganha sentido.


Para ouvir (Isso de postar músicas aprendi com Aninha :p):



quinta-feira, dezembro 11, 2008

sexta-feira, dezembro 05, 2008

diretrizes acadêmicas

Tendo em vista o clima de desespero que se instaurou nesse início de dezembro – quando a ficha caiu e alguns de nós subitamente nos demos conta do volume de trabalhos relacionados à dissertação ainda pendentes e também do aperto no que se refere aos prazos – eu resolvi criar um guia de referência, tratando de como disciplinar o tempo e racionalizar as atividades ao longo dos próximos 45 dias. O intuito é encarar uma única e imensa dúvida: como criar um clima intimista e propício ao estudo, mesmo em época de festividades?


Coisas a evitar:

- Msn (de preferência acessá-lo apenas uma vez ao dia, por tempo limitado e em horário a combinar);

- Música eletrônica, ou melhor, qualquer música que seja dançante, muito alegre ou excessivamente triste;

- Prévias de carnaval;

- Sessões concorridas na Fundaj (priorizar segundas exibições);

- Saídas única e exclusivamente com o intuito de encher a cara;

- Amigos que estejam no clima "beber, cair e levantar";

- Pessoas excessivamente indóceis – sobretudo quando já se é naturalmente indócil – e também pessoas muito dúbias, já que estas demandam de nós um longo tempo para pensarmos sobre quais seriam as suas reais intenções;

- Fazer a social (i.e. Central).


Coisas recomendáveis:

- E-mails, que sempre trazem notícias sobre o mundo exterior e sobre os procedimentos do programa de pós-graduação (embora por eles também costumem chegar muitos convites e avisos de festas);

- Música erudita e também jazz, sobretudo o contemporâneo, ou, de um modo geral, músicas sem vocais que possam ser ouvidas enquanto se escreve;

- Filmes, como sempre, e em especial os de Godard, Bergman ou os antigos de Woody Allen (filmes de Tarantino, por sua vez, são desaconselháveis, assim como os muito românticos, i.e. Wong Kar-Wai, ou aqueles típicos filmes de jovens curtindo a vida livremente e sem amarras);

- Conversas com Mari - ao telefone ou pessoalmente, e se possível uma vez ao dia - para colher suas orientações indispensáveis sobre métodos de estudo;

- A favorita, porque ninguém é de ferro.


Além desses pontos básicos, acrescento que na geladeira deve haver comidas prontas e rápidas (já que períodos de estudo intensivo costumam ser, pelo menos para mim, momentos de emagrecimento vertiginoso), mas nunca, sob hipótese alguma, devem ser mantidas cervejas em estoque, pois são um palitavo fácil e perigoso para os momentos de solidão e crise criativa.

Nas perambulações urbanas inevitáveis, feitas para espairecer, devem-se evitar as ruas mais animadas, assim como qualquer contato visual com focos de alegria simples e descomprometida, como os espetinhos de Afogados ou os bares da Boa Vista na sexta à noite. A propósito, está terminantemente proibido passar por Afogados ou pela Boa Vista nas sextas à noite. A visão de pessoas simples em surtos de diversão eufórica e barata pode levantar dúvidas acerca do real sentido da existência, dúvidas estas que são muito improdutivas para quem precisa escrever um trabalho acadêmico. Afinal, sempre se pode terminar achando que a teoria não serve para nada, que o ser humano precisa de muito pouco para se sentir bem e que a felicidade verdadeira está em um aglomerado de barracas de espetinho, isopores de cerveja e carrinhos de cd pirata.

O uso do chá preto e do café é recomendado. Quanto ao cigarro, deve-se recorrer ao mesmo em doses terapêuticas, apenas em casos de extrema necessidade, angústia, ansiedade acadêmica ou depressão crônica. O ideal é procurar seguir a antiga resolução: não fumar em casa, apenas na rua.

E se até então ficamos no nível das recomendações moderadas, algumas outras coisas, por sua vez, estão expressamente proibidas até o fim desse período conturbado.


Proibições radicais:

- Youtube: todas as indicações, sugestões de vídeos, etc, serão devidamente acrescentadas à lista de favoritos e vistas somente depois da segunda quinzena de janeiro;

- In rainbows, do Radiohead: a melancolia que esse cd alimenta é altamente improdutiva, principalmente no que se refere aos B-sides;

- Discutir problemas e assuntos de terceiros com quartos e quintos: porque, ao menos teoricamente, pessoas ocupadas e com prazos vencendo não têm tempo para dar conta da vida alheia;

- Inventar posts muito longos, como este, ou que exijam qualquer tipo de elaboração. A geração de caracteres é preciosa e deve estar totalmente direcionada para fins de produtividade acadêmica. Mentalizar a quantidade de laudas a escrever serve como recurso para desencorajar rompantes criativos canalizados para lugares indevidos, como este blog.


Por fim, informo que as listas e recomendações serão constante- mente atualizadas e adaptadas, à medida que eu for lembrando novos itens a serem discutidos e possa testar, na prática, quais proibições funcionam e quais são puro delírio. As resoluções, claro, passam a valer imediatamente após a sua publicação.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

o efeito Katrina


“– O que acontece – disse a Maga, remexendo o leite que estava sobre o fogão – é que a felicidade só pertence a uma pessoa e, em contrapartida, a desgraça parece ser de todos.”

O jogo da amarelinha


É sempre assim. Aconteceu de novo - dessa vez não tão longe, foi logo ali no sul do país - mas foi o suficiente para lembrarmos que toda segurança com que nos cercamos é pouca e pode esvair-se rápido, e que as necessidades podem ser bruscamente redimensionadas pelo advento de novas circunstâncias. A noção de catástrofe, nesse sentido, pode não ser tangível e generalizada, mas instalar-se em formas bem pessoais e subjetivas de perceber os estragos.

De minha parte, olhando para trás eu acho até bastante admirável o fato de que tudo tenha dado mais certo do que eu poderia supor. De um jeito ou de outro, cronologias, oportunidades e escolhas sempre se ajustaram em um timing certeiro que até hoje me livrou do desamparo. Não é recorrendo a um histórico, então, que eu conseguiria explicar a sensação de estar sempre na iminência de uma grande derrocada. Como se a tranqüilidade nunca fosse tranqüilidade de fato porque estaria corrompida desde a origem pela certeza de que o que se anuncia é um período subseqüente que seria o da grande falta. Como se eu nunca pudesse descansar do imperativo de me preparar para o que vai dar errado – sendo esse algo sempre o momento imediatamente posterior.

É essa eterna iminência de uma coisa sem nome - que, indefinida, seria no entanto a mais provável, a mais certa - aquilo que instaura em uma vida sem grandes sobressaltos a estranha lógica da futura vítima do desastre que, prevendo a devastação, tem que manter o olho na despensa, ao mesmo tempo em que prepara os ânimos para lidar com a passagem de uma vida normal, narrada pela lógica da acumulação, para o tempo da excepcionalidade, quando as necessidades são completamente redimensionadas pelas novas circunstâncias da crise.

Claro que me refiro aqui não tanto a uma questão material. Mais precisamente, é como se o que estivesse em jogo fosse a dificuldade de combater um desagradável efeito dessa espera: as alegrias, vez por outra, vêm rasuradas por um tom melancólico que permeia o todo. Ela, a alegria, fadada a acabar, afastada para longe pela irrupção de um contexto desfavorável que viria logo em seguida. (Mas não se pode dizer isso de toda alegria? Fadada a acabar? Tomada como desmedida, no entanto, ela acaba sempre um pouco antes).

Se as conseqüências são sobretudo emocionais, não deixam no entanto de apresentar certas marcas concretas em elementos bastante específicos da rotina. Na roupa talvez esteja o exemplo mais claro disso: é notável que, mesmo fazendo visitas periódicas ao armário a fim de identificar roupas a serem doadas, eu jamais consiga me desfazer de algumas peças que eu mesmo consideraria inutilizáveis em qualquer circunstância normal. Isso porque as circunstâncias que irão surgir parecem sempre pouco mensuráveis, e o critério para definir o que serve e o que não serve, mera questão de contingência. Talvez aí seja possível encontrar, inclusive, uma pista para o hábito que muitas pessoas possuem de acumular coisas “inúteis”; uma chave para entender a dificuldade em desfazer-se de objetos, utensílios e mesmo informações cuja razão de ser ali na nossa vida já não parece mais tão clara.

Tudo isso, evidentemente, é muito mais psicológico que factual, embora na incidência de um acontecimento concreto o pesar venha reforçado pelo fato de que cada mau momento alheio ou desordem coletiva são observados, mesmo que de longe, com boa dose de receio. Tal como esponjas, assimilamos – pela lógica cristã ou das probabilidades – a convicção de que ainda chegará a nossa vez. Estranha certeza, aparentemente infundada, que vem por sua vez alimentar uma postura controversa: diante da ameaça, valoriza-se não tanto o esforço para a preservação, mas o advento mesmo da destruição como princípio. (O que talvez possa ser dito de outra forma: uma insegurança cujo mal estar é acompanhado não de um esforço no sentido da estabilidade, mas de um impulso para afrouxar o punho e perder o pé).

A cautela seria, aí, não tanto precaução, mas adiamento. Contornando os fantasmas de furacões, ciclones e enchentes – a vertigem desse Katrina, daquele Mianmar devastado – levantam-se acampamentos transitórios, refúgios sem cúmplices para o desastre que é sempre postergado por uma nova convergência, pelo novo timing que vem deslocar para um tempo futuro a iminência da catástrofe.