quinta-feira, novembro 20, 2008

a palavra improferível

Há um acúmulo fenomenal de esboços de textos aqui, incluindo-se comentários sobre filmes que vão de Shortbus, que eu vi há uns dois meses, a Andarilho, que vi ontem. Mas quem se importa! Tudo vai acontecendo e eu fico tão indócil, pra usar uma palavra do léxico celestial - leia-se, de Renata Celeste – que mal consigo sentar pra articular algumas idéias. É sempre assim, e eu já estou acostumado. (Mentira, nem tanto). De qualquer modo, algumas notas eu não queria deixar passar. O resto, assim que tiver um pouco mais de paciência, retomo.

Refiro-me a um registro que pode soar piegas ou lacrimoso, mas que considero importante. Eu penso, de forma muito recorrente – e evocando um certo senso de sobrevivência que é atiçado pelos momentos de maior fragilidade – que algumas pessoas estão sempre buscando (ou inventando) uma forma de se salvarem. E é nesse sentido muito preciso que eu tomo aquela linha de Clarice tão exaustivamente repetida – como tudo dela, aliás, nesses tempos –, que define o ato de escrever como meio de “abençoar uma vida que não foi abençoada”.

O que mais me chama a atenção nessa passagem é menos o belo e conciso lugar que ela concede à escritura, mas a idéia mesma de que existem vidas que foram e continuam sendo, ao longo do tempo e em maior ou menor grau, malditas. Vidas pouco glorificáveis às quais não é dada nem ao menos a possibilidade de tornar nobres e eloqüentes os seus pequenos desalentos. E, mesmo tendo tanto apreço pelas imagens, reconheço que por vezes as formas da escrita - não apenas a grande literatura, mas até as mais pequenas notas - me parecem o melhor lugar para se digerir e ressignificar a feiúra de problemas pouco "estetizáveis". Não apenas a escrita, repito, mas toda construção de um universo próprio - ou constituição de um mundo, como diria Deleuze - que em algum sentido termina por exigir um recolhimento ou, mais precisamente, uma re-alocação (como um mover-se em direção a esse vão pouco discernível dos que não são benditos).

Mas se a escrita é o lugar possível para a palavra que não se diz em voz alta, que não se mistura nem se dilui – sendo o meio permeável à palavra grotesca, ridícula -, não é, porém, o único. Também a amizade aponta esse caminho não-messiânico da salvação onde o que está aquém ou além da aparência - mas sempre em disjuntiva em relação a esta - pode ser proferido com sinceridade e confiança. Para além de toda regra e para além de todo código de conduta ou gesto de rechaço ou intimidação do encoberto, a disposição absoluta de outra pessoa para ouvir e compreender nos resgata deste vão, e nessa terça-feira foi uma singela conversa de msn que, com humor e generosidade, ajudou-me a tornar ínfimo o que parecia – ou é, não sei ao certo - gigantesco.

Ainda existe quem torça o nariz e duvide da densidade destas formas de comunicação menos ortodoxas, mas nessa semana minha salvação – e uso a palavra tentando, por sua vez, salvá-la da grandiloqüência a que a condenaram - esteve não em um ato solitário, mas em um lugar compartilhado que tem a mesma virtualidade dos afetos, que não são sempre evidentes. Ela esteve na possibilidade de naturalizar/assimilar o ridículo inconfessável e assumi-lo como uma coisa, afinal, bastante simples. Algo assim como uma coisa da vida, mesmo.

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