quinta-feira, novembro 23, 2006

a-histórico

Recife ingressou em um tempo parado. Não sei há quanto tempo foi isso, e nem poderia saber, afinal, o tempo parou e, desde então, não se conta mais. Como pequena cápsula hermeticamente fechada, o apartamento onde vivo, no entanto, sofre descompassadamente a falta daquilo que chamam de “condições normais de temperatura e pressão”. O calor aqui é insuportável e os ouvidos, enganados, por vezes estalam reclamando uma altitude inexistente. Mas o tempo aqui não chega: está tudo suspenso. Aqui não há história, o telejornal é capricho e ficção, e não é que este dia seja igual a ontem: é que ele não parece dia, parece coisa que não se conta.
Olho pro aparelho de som e penso em escutar algo, mas não coloco nada. Poderia ser a velha indecisão de não saber o que ouvir, mas não: é falta de vontade mesmo. E aí me ocorreu essa associação engraçada: estou sem paciência para música, que é a arte temporal por definição. Seria coincidência ou eu realmente estou confortável e acomodado, circunscrito em um espaço sem sucessão de horas? E o espaço sem tempo, é o quê?
Tenho visto muitos filmes, mas isso é diferente: o filme é um instante irreal, meio passado, meio futuro, talvez imaginado, mas nunca um tempo concreto, histórico e vivo. É como uma amostra de fatos e instantes, que se pode viver, ainda que não vivendo, e que é feito de experiências que, não raro, podemos guardar pra mais tarde - para quando o relógio voltar a andar.
A parede da cápsula, voltada para o poente, emana um ar quente e doentio à tarde que molha as roupas e inviabiliza toda e qualquer tentativa de pensamento, refrescado apenas no artificialismo heróico da geladeira. Penso que nesses dias os recifenses ficam perambulando, enfraquecidos e fatigados pelo calor, até o momento em que se amontoam em camas impossíveis implorando vapores quentes dispersados pelo ventilador. Nesses dias a gente até se sente mesmo como o escritor daquele filme cubano: tropical e subdesenvolvido. Lembrei da afirmação dele, quando diz que se sente já velho e podre, e que deve ser porque tudo amadurece e apodrece muito rápido nos trópicos. Viver por estas bandas às vezes parece mesmo impossível, perecível. A cidade está realmente um inferno.



sábado, novembro 04, 2006

uma de menos

"o que importa, na verdade, é este instante entre tudo o que já foi e o que ainda será".