terça-feira, novembro 16, 2004

Soube que ela tem chorado. Nem lembrava mais dela, no sentido mais amplo de lembrança como presença e sentimento, e tinha há muito tempo, já, passado a apenas saber da sua existência, sem comoção ou saudade, apenas na lembrança burocrática proveniente da memorização de fatos. E de repente descobri que ela tem chorado.

Ela que cresceu cedo, que queimou etapas, que teve, suponho, a ânsia de ser livre, de ser forte, de ser mais, amadureceu antes. Ela adulta quando eu, na mesma idade, desfiava sentimentos infantis... Ela imponente, aquela postura demasiadamente ereta, aquela simpatia petulante, aquela confiança... Ela que tragava quando eu ainda tomava meus chopps, que gostava quando eu ainda me escondia, que sorria sem medo ou vergonha quando eu ainda punha a mão nos lábios pra disfarçar... Ela tem chorado.

E disse que “de certa forma” é feliz. Estranho. E eu queria dizer que não a imagino dizendo isso. Ela sempre foi alegre, naquela qualidade de alegria desavergonhada e intensa. Queria então dizer que não a imagino dizendo que é feliz “de certa forma”, e é verdade que, quando soube, a princípio não imaginei. Só que ela com filho, ela casada, ela morando longe, ela confinada, trabalhando e sendo mulher de família, ela senhora, deve ter inventado mais essa, e de tanto que cresceu passou a falar coisas que não se imagina.

O fato é que, pensando melhor, aderindo àquela reflexão que acompanha os pensamentos diários sem tomar a dianteira mas que surte seus efeitos, entendi depois de um tempo o que deve ser este “ser feliz de certa forma”. Mas tal entendimento é mais uma suspeita - porque não sou maduro, não sou imponente, não conheço a satisfação pelo que tem que ser ou a resignação pelo que aconteceu, simplesmente. Conheço aquela alegria incisiva, súbita, que faz rir por dentro e traz euforia. A felicidade, esse sentimento que por natureza é mais duradouro e conceitualmente suponho que deva ser mais linear, não conheço bem. Muito menos “de certa forma”. E nem posso afirmar saber de muitos que o desvendem. À parte essa deficiência, no entanto, desejo-lhe a felicidade, sinceramente. Desejo-lhe que seja feliz, de muitas formas.

Para ouvir: Nancy Wilson – Elevator beat

4 comentários:

Patricia Leal disse...

puts...sem palavras pra comentar Fábio... :) coisa linda! e acho que ela 'Ela' vai chorar se ler esse teu texto =P

bjão!! :D

fabio disse...

Huumm.. Acho meio que impossível que 'ela' leia, patsy. hehhehe Mas de qualquer forma valeu. :p

Anônimo disse...

Balão... saudades suas tb.. mtas...
quanto ao post...
coisa linda de se dizer, de se escrever e de se sentir!!
te cuida!!
xêro grande!

Tamí

fabio disse...

Tamí! Apareceu, né? Como ta sua expectativa pro vestibular? Fim-de-semana que vem a gente ta sofrendo, né? Se eu não falar contigo até la, boa sorte pra tu...
Bjao.