quarta-feira, outubro 20, 2004

A vista da minha janela proporciona sensações as mais variadas. Hoje, por exemplo, descobri que observar os carros que passam ao longe, na 17 de agosto, ao som de Sigur Ros, é experiência das mais esquisitas (ou minha esquisitice materializou-se, exaltada que foi pela música, nos pobres veículos nem um pouco culpados da minha esquisitice).
Acontece que minha janela, nessas últimas horas, decidiu virar protagonista das minhas horas, e absorveu-me com suas papagaiadas. Imagina só que ontem eu invento de dormir logo cedo – ganância de estudar quando o cérebro se recusa – e só acordo às 4h da manhã, sem nada a fazer, a não ser deixar que o mundo fale. E lá vou eu ver a rua tranqüila, imaginar os percursos e percalços de um transeunte que porventura se arriscasse a essa hora da madrugada. Seria bom? Seria ruim? A iluminação triste e amarelada, a quietude, o ar parado e cauteloso da noite, tudo lembra Drummond e diz que é bom ser livre nas ruas. Aquele sentimento de anacronismo me invade, vontade urgente não-realizada de passeios soltos, noites claras, bebidas baratas, romances de calçada e filosofias de praças. Meu fígado por uma zona boêmia qualquer, dos anos 50!
Mas digo papagaidas porque minha janela nem sempre é tão sisuda, e mostra coisas as mais variadas conforme o humor que o dia assume. Desde os fuscas e motocicletas velhas que sobem a ponte causando estampidos de assustar vizinhanças até verdadeiras cenas policiais de tiro e perseguição – minha janela tem um humor macabro que ainda não decifrei.
Nem tudo, pois, é felicidade na minha janela. Esse momento, assim, vazio, abandonado, traz reminiscências tristes do nada a fazer, da espera vã, do quieto desespero que nela revivo, separado que já me deixou, algumas vezes, do mundo.
A janela só me serve quando mostra algo que conheço, e quando me sinto capaz de descer até lá embaixo e viver. Porque nela, afinal, tudo passa longe: carros, pessoas, formigas...

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