quarta-feira, setembro 29, 2004

“- Esse menino não come nada, Maria Luísa!
- Não sei o que é isso hoje, Carlos! Meu filho, coma ao menos a goiabada...
Que goiabada nem mané goiabada! Eu estava era pensando nas minhas estrelas, doido por enxerga-las.”
Contos novos, Mário de Andrade

terça-feira, setembro 28, 2004

Ainda sobre o real e o virtual...

Juro que não vejo problema algum em usar a tecnologia pra aproximar as pessoas. Eu sou um viciado assumido em msn, e cada vez mais consciente, por sinal, da necessidade de controlar meus arroubos de comunicabilidade virtual, que duram horas e rendem muitas noites em claro. No msn até já conheci pessoas, e a ele com certeza devo o fortalecimento de muitas amizades. Por meio dele tem sido possível manter-se próximo a pessoas que não vejo freqüentemente e ter longas conversas inviáveis no dia-a-dia não-virtual.
O msn também é meio confessionário, oráculo, divã, sei lá... A gente fala o que não tem coragem de dizer pessoalmente, tem conversas decisivas, briga, ri sozinho na frente do computador, pede desculpas, isso com toda a expressividade que as palavras permitem. Tudo isso, no entanto, sempre em função do real, do cotidiano, da aproximação física... Por exemplo: uma outra função não mencionada mas essencial do msn – uma das mais importantes na verdade – é a sua grande importância na articulação de festas, bebedeiras, programas culturais, cineminhas de domingo, comilanças em rodízios, etc, etc. Meus fins-de-semana tornaram-se inegavelmente mais agitados após o msn, e tem sido mais fácil também lidar com o marasmo de certas tardes de domingo.
Então, esta ferramenta virtual, sim, é que é digna de aplausos, porque proporciona contatos de grande valor... Mas há tanta gente fora dela que adoro; há tantos que estão nela mas aos quais já digo tudo que penso, e todos os dias até, se possível; há tanto mistério nas ligações que unem pessoas vida afora, por tão diversos motivos, ou até mesmo pela ausência de motivos, pelo simples prazer de conviver, compartilhar; há tanta felicidade na proximidade verdadeira, em identificar peculiaridades, gestos, maneiras de olhar, diversos tons de voz, expressões faciais, nuances... Tudo isso tão bom, no ambiente não-virtual, que esta ferramenta mesmo acaba por tornar-se, também, inútil, se não contribuir para essa aproximação real ou se, oferecendo a comodidade de evitar o sempre tão arriscado contato direto, ofuscar o encontro diário entre as pessoas.

segunda-feira, setembro 27, 2004

No mundo virtual é assim...

Eu juro que eu ainda descubro a razão de ser desse tal de orkut. Primeiro de tudo: qual a finalidade de sair adicionando gente na sua lista de amigos, se você dificilmente usa a tal rede pra entrar em contato com eles? Que eu saiba, ainda é muito mais fácil usar o e-mail, o msn, outras ferramentas MUITO mais interessantes, por sinal. Parece mais uma corrida para colecionar figurinhas, ou um meio mais eficaz de se espalhar spams e e-mails com informações inúteis, que nunca leremos.
Esse primeiro ato praticado pelos usuários, de adicionar pessoas, dá origem a uma série de outros, e se o primeiro se explica pela necessidade de se criar ligações que nos levem às tais “pessoas inesperadas”, o que é a grande promessa do orkut, os demais não há quem justifique.
Há desde aquele lugarzinho onde se escrevem testemonials até os famosos rankings. Se é pra inflar o ego ou pra que todo mundo saiba o quanto você é querido eu não sei, mas a verdade é que é o tipo de coisa que não faz muita diferença... Afinal, no orkut todo mundo tem um pouco de defunto – nobre, digno, caridoso, companheiro, amigo... E os rankings, então, são terríveis: não sei se entendi direito o que significam aquelas carinhas, coraçõezinhos e cubinhos de gelo (tudo assim, muito meiguinho): um parece que é pra medir o quanto você é sexy (?!), outro diz o quanto você é legal... Deveria ter como medir também o quanto você é mala-sem-alça, o quanto você se assemelha ao famoso pé-no-saco, ou chute-no-ovo... Pelo menos ia ser um pouco mais esculachado! :p
Podem chamar de dor-de-cotovelo, indício de um comportamento anti-social crônico ou rabugice, mesmo. Mas a verdade é que se fosse depender de mim sair juntando, nessa nova mania, um monte de gente sob a alcunha de “amigo”, eu seria o mais solitário dos freqüentadores dessa famigerada rede de relacionamentos... Não foi à toa que quando eu comecei esse blog ele mencionava, no próprio endereço, a idéia do anacronismo: pra mim, ainda se fazem amigos em bares, na rua, bebendo cana, tomando caldinho, falando besteira, discutindo... No msn pelo menos as duas últimas ainda são possíveis!
No orkut, nem isso.
Enfim, pra terminar essa história de orkut: ele tem aparentado, pelo menos por enquanto, ser sem graça, inútil e além disso, ser responsável também (não se pode esquecer) pela difusão de um monte de idéias e informações equivocadas. Mas há algumas comunidades hilárias, e realmente há pessoas interessantes... Então, por enquanto vou ficando por ali, vendo o que o orkut pode me render de positivo.
Ah! Queria também, apesar de tudo, agradecer pelos testemonials (Ceci, bolei de rir com o seu! :p). Adoraria escrever pra todos os meus amigos, mas se até pra comentar em blogs alheios eu tenho vergonha, quanto mais pra ter esses rompantes de emotividade e sair falando o quanto eu gosto de todo mundo. Gostaria de agradecer também às almas caridosas que me deram uns cubinhos de gelo, umas carinhas, uns coraçõezinhos... Fiquei tão feliz que vou aumentar o ranking de vocês todos, viu? Hehehehe. Brincadeira...

quarta-feira, setembro 22, 2004

Segunda-feira

Erguendo-se às pressas, aos tropeços, coração incerto, cabeça cheia no fluxo e refluxo de angústias, ainda a mesma sensação de aperto que retorna, a substância do medo correndo por dentro.
Perturbação de urgência, euforia de álcool, mutismo de insone. Ao redor, expressões passivas, impenetrável normalidade. Dizer, não dizer, dizer, não dizer... Explodir em um acesso de raivosa melancolia? Balbuciar a temida loucura, a humilhante tristeza destoante, sim, a que destoa da tristeza permitida, explicável, a tristeza prática, a decepção pragmática dos fortes?
Busca do controle físico, respiração deliberada, olhos semicerrados, caminhada a longos passos. Pensamentos reconfortantes - voltar a si.
Cabeça erguida, dia agradavelmente curto.
Fim de semana... findo.

terça-feira, setembro 21, 2004

“Não és bom nem és mal, és triste e humano.”
Olavo Bilac

Uma poesia minimalista - visual e auditiva - para aguçar os sentidos. Não há melhor forma de se definir o filme exibido no último dia 09 pelo Cine Peter Dráckula. Aproveitando a temática latina da última calourada, que teve o sugestivo nome de Cuba Cabe Aqui, o cineclube da nossa faculdade decidiu ir mais fundo na investigação do peculiar cotidiano dos moradores dessa fascinante ilha que provoca debates, conquista admiradores e atiça os ânimos daqueles que se propõem a avaliar, politicamente, sua realidade.
O que se viu, no entanto, esteve muito longe da exaltação apaixonada do regime de Fidel Castro, dos líderes revolucionários e dos ideais representados pela resistência cubana, ainda um dos poucos países a manter uma postura contrária à lógica estadunidense de poder e “crescimento”. Não houve, também, a construção de uma imagem anacrônica da ilha - o que poderia representar uma acusação velada de um suposto modo de vida estagnado, atribuído por muitos a ideologias insistentemente caracterizadas como ultrapassadas - nem tampouco uma tentativa de descredibilizar a luta de seu povo por meio do ressalto de suas mazelas ou de suas dificuldades econômicas e sociais.
Isto porque, antes de tudo, em Suite Habana o diretor Fernando Pérez nos apresenta a habaneros comuns, de modo que sua sensibilidade e delicadeza espantosas nos permitem elevar o nível da nossa apreciação desse povo, desprovendo-nos de preconceitos, esquematismos ou paradigmas políticos. Assim, somos capazes de desfrutar de um retrato magnificamente humano (e talvez poucas vezes antes presenciado na sétima arte), de pessoas simples, seus sonhos, suas dificuldades, suas rotinas, suas atividades e todos os acontecimentos ordinários que permeiam suas vidas, sem, no entanto, serem de modo algum considerados banais, irrelevantes ou sem sentido.
Tal documentário, longe de ser chato ou difícil, nos apresenta uma sucessão de belíssimas imagens, costuradas pela lógica do tempo (o filme se desenvolve ao longo de um dia), unidas pela dinâmica da coletividade (as cores e sons urbanos) e marcadas pela realidade social e histórica do que apresentam. A ausência de diálogos, narração ou entrevistas contribui, curiosamente, para facilitar nossa identificação com cada uma das pessoas retratadas. No silêncio, distanciamo-nos de possíveis julgamentos, contemplando apenas a beleza e a poesia de ser humano.
Engana-se, no entanto, quem acredita que, retratando Havana de forma tão honesta e dotando seu filme de uma curiosidade artística tão universal, o diretor nega as peculiaridades de seu país. Fernando Pérez é honesto com cada cidadão de Cuba, com sua paixão, sua beleza, suas dificuldades. Sua mensagem está lá, sutil, na ressaca do mar que avança sobre a ilha, no retrato de um herói na parede (parecendo ora distante, ora integrado à realidade que presenciamos) e, acima de tudo, na simbólica e comovente cena da garota que balança alegremente a bandeira de seu país, que aparece ludicamente em meio a uma brincadeira infantil.

Texto escrito após a sessão do cineclube da FCAP, para o Informativo do DA, o Olha só...

sábado, setembro 18, 2004

Voltando à nossa programação normal...

Usina: espaço de geração e maturação de idéias, processamento de informações, reavaliação de conceitos...
Sabe-se lá porquê, há coisas que não se explicam...
O que se sabe, com a experiência que se mostra, é que não se pode ir a esta usina impunemente...

Um poema interessante só para animar essa tão insossa volta:

Em face dos últimos acontecimentos

Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, setembro 14, 2004

Um post honesto

Vou passar uns dias sem escrever aqui, pois tenho notado que os últimos posts não foram lá muito inspirados, e depois de aprender que não é bom censurar idéias e palavras quando se tem vontade de escreve-las, nem evitar publicá-las por receio de ser mal-interpretado ou por vergonha do que está sendo dito, é hora de aprender outra lição: naturalidade e controle de qualidade são coisas distintas... Não se deve confundir a liberdade de expressão com a banalização de sentimentos tão íntimos. Não é o caso, portanto, de sair escrevendo tudo que vem à cabeça, sem maiores precauções.

Os próximos dias deveriam ser carregados, pois tenho muitos trabalhos a fazer na faculdade, atividades no estágio e o desafio de retomar os estudos para o Vestibular. Além disso, meu punho dói, e já passo tempo o suficiente no computador enquanto estou no estágio ou cumprindo minhas obrigações acadêmicas. Além disso, não tenho dinheiro pra tratar tendinite, então é melhor me aquietar um pouco. Mas digo que deveriam ser carregados porque, se bem reconheço minha atual motivação, duvido muito que irei caprichar nos meus penúltimos trabalhos acadêmicos do curso de Administração. Definitivamente esse curso já deve ter me dado tudo que tinha a dar...

Sábado à noite, num desses momentos doidos de sensibilidade súbita embora não inconveniente, peguei-me no meio da Usina, depois de um dos grandes shows d’A Roda que já vi (contrariando, pois, a descontração de minutos antes), pensando no monte de coisas que tenho vontade de fazer... Momento efêmero, mas bonito, principalmente por ser só meu (e aí não há nada de egoísmo, entenda-se) em que reafirmei valores e planos que são anteriores a qualquer circunstância social, a qualquer influência mais direta de terceiros... Coisas que quero aprender, conhecer, incorporar à minha vida, somar... Talvez meus desejos mais honestos. E é bom, afinal, renovar um certo respeito por nós mesmos, uma certa reconciliação desmedida com individualidades, uma reviravolta naquele impulso constante de forçar uma realidade que só poderia mesmo concretizar-se de forma imposta. Sei lá o que me trarão os outros, que tipo de sentimento e atitudes para comigo...

Os próximos dias bem que poderiam ser consagrados ao ordenamento de determinadas idéias ainda bastante desarranjadas, à superação de algumas constatações melancólicas, ao encontro de uma almejada tranqüilidade... Mas o alcance de tais objetivos nunca é garantido... O que posso, então, é consagrar estes dias a um pouco mais de leitura, a um pouco mais de descanso e, acima de tudo, ao enfrentamento de certas questões bastante pertinentes... E com isso, apenas tento ser honesto (mais uma vez uso essa palavra) comigo mesmo, pra poder depois retomar meus textos verborrágicos, pra continuar sorrindo de forma sincera como sempre busquei fazer... E não, não é necessário que ninguém “busque me resgatar das profundezas da minha mente perturbada”... Estou bem, creio! :p

Essa semana será de bastante Buena Vista Social Club (efeitos da calourada e, principalmente, do cineclube, ainda) e de leituras diversas, espero... No fim de semana já devo estar de volta. Até lá estarei – espero - um pouco mais em off.

Ah, mas só pra não perder o hábito, vou postá-lo, deixa-lo falar por mim:

“Era como se ele, apenas ele, excedendo a si mesmo, num movimento brusco saltasse fora da engrenagem e, desgovernado, pudesse ver de longe o mundo pacífico e feliz de que não sabia participar.” O encontro marcado, Fernando Sabino

segunda-feira, setembro 13, 2004

Vagabundo globalizado

Há uma música que, não importa quantas vezes a escute, sempre me emociona... Pela sua capacidade de traduzir todo o meu apreço por essa cultura e por esse espaço que tanto aprendi a gostar, nos quais aos poucos me reconheço e que hoje afirmo que me representam... Pelo momento delicado em que se dissolve sua melodia, pela certeza de que não haveria forma melhor de retratar todo esse estado de espírito, que só poderia mesmo ser verbalizado nessa linguagem “futurista-surrealista”, nesse universo tão imaginário e ao mesmo tempo tão próximo e concreto que Lula Queiroga bem criou e que é, sim, o que eu penso, o que eu entendo, pouco importando o que ele quis dizer realmente. Espero ouvi-la sempre como essa boa lembrança do meu afeto por tudo que hoje estimo tanto e que é meu, somente, não importando que persista esse medo, esse aperto que apenas às vezes torna-se perceptível.

“...No futuro a onda é diferente
Mas tem miséria igual
Tem solidão também
A minha janela dá pra um céu escuro
Mas aqui é o futuro, mãe

A cozinha lá de casa não tem gravidade
E se eu abro a torneira
A água voa
E as panelas saem pra passear
Sob a garoa...”

domingo, setembro 12, 2004

Mosaico

Para abstrair o instante indecifrável.

...

“O Brasil começou em Pernambuco”

Recife, nada mais necessário... A cidade e eu. O sonho da atitude estética diante da vida: ruas vazias, bar, música, álcool... Ninguém mais para perturbar meu doce entendimento. A cidade respira, e sempre a estimarei...

...

Baixando a trilha sonora de Mulholland Drive. Meus sonhos deverão ser, a partir de agora, um pouco mais surreais.:p

“There is no band, and yet we hear a band!”

quinta-feira, setembro 09, 2004

L'Homme Révolté

Venho de um negro tempo irredutível,
anterior a mim.
Vou para um negro tempo desmedido,
infinito campo de ébano
onde me apagarei.
De uma escarpa a outra,
transfixado entre negro e negror,
danço - centelha breve - o meu furor.

Hélio Pellegrino

terça-feira, setembro 07, 2004

Qualquer coisa que eu escrevesse aqui, hoje, já teria sido escrita por mim em outro momento. Não há nada na minha cabeça, creio, que não esteja registrado neste espaço, e qualquer resquício de pensamento novo não levaria ninguém a compreender o que quer que fosse.
Aliás, talvez seja hora de falar um pouco sobre isso. Tenho observado pessoas compartilhando sentimentos, idéias, complexos, crises, preocupações. Algumas delas, às vezes, parecem ainda estar naquele instante que antecede o entendimento de que não adianta, quase sempre, falar, explicar, detalhar, conjecturar... Quanto mais dizemos, mais também parece crescer a distância que existe entre aquele que sente e aquele que ouve. E foi passando por isso, também, por esse instante de incomunicabilidade, que aprendi que estamos, na maioria das vezes, sozinhos, sem ter muito com quem contar na hora de lidarmos com nossas emoções e nossas angústias.
Lembro de dias intensos, nos quais chegava em casa às vezes já a altas horas da noite e mesmo assim não queria dormir... Queria conversar, ligar pra alguém, entrar na internet, retomar conversas iniciadas horas antes, como se o instante de isolamento fosse demasiadamente difícil. Muitas idéias e sentimentos contraditórios na cabeça, preocupações, expectativa, e parecia que tudo isso era muito para uma só consciência, para um só interior... Era preciso extravasar tudo, deixar tanta ânsia transbordar, compartilha-las...
Em vão. Ainda hoje creio que, naqueles dias, ninguém pôde compreender totalmente o que se passava comigo, a lógica que havia por trás de tanta subjetividade... E isso foi há um bom tempo atrás.
Hoje, especificamente, está acontecendo o inverso: ficar em casa, calar, permanecer em silêncio, fora do alcance dos olhos, dormir, ouvir música... Tenho preferido tudo que possa ser feito sozinho. E temo que nesse comportamento haja um pouco de resignação, da certeza de que nada adianta, pois não há como explicar, como transferir para os outros a carga de tantas experiências individuais, e que não há, no fim de tudo, lógica alguma, só subjetividade, mesmo.
Cheguei, no entanto, a um outro momento. Uma fase em que, se não existe mais a tentativa desesperada de fazer-se entender, de conquistar um pouco de cumplicidade na tristeza, há pelo menos a certeza de que não sacrificarei minhas mais honestas dúvidas e reflexões em nome do coletivo. Quero dizer, resumindo: dou-me o direito de buscar o isolamento, de ficar mudo, de não parecer simpático, sem precisar para tanto de maiores explicações, pois, afinal, se elas não servem para aproximar-nos, para tornar-nos cúmplices de tantas incertezas, para que servem, afinal?

Ah, já ia esquecendo de dizer o quanto gosto desse blog, por poder aqui falar tudo sem me preocupar tanto em ser compreendido, sem excesso de cautela com o que é “politicamente correto”. Aqui posso ser irônico (como no meu orgulho em ser um estudante “asséptico”), falar sobre coisas sujas (“a sujeira orgânica, que apodrece, cheira mal”), falar sobre sentimentos ruins (“a nobreza da mágoa, vivida até seu esgotamento...”), descarregar minha revolta contra boa parte do movimento estudantil e seu monte de falsos transgressores, confessar meu mau-humor... Enfim, chutar o pau da barraca sempre que tiver de ovo virado e achando a vida ruim, como hoje...

segunda-feira, setembro 06, 2004

De volta a Recife... E há muito a separar o post irritantemente pernóstico que escrevi na sexta-feira de madrugada, meio bêbado (e que horas mais tarde ainda pensei em deletar, em uma atitude que reconsiderei, depois, em nome da espontaneidade) e este publicado agora, em uma tarde preguiçosa de segunda-feira “pré-feriado”.
Fim de semana permeado de moderação. Só não foi moderado o riso – a falta de noção, obviamente – e certas atividades mentais (ou seriam sentimentais?) irritantemente intensas de reflexão, análise...
Vontade incontrolável de voltar para casa bateu, em pleno sábado à noite, na Praça Guadalajara. Antes, alguns minutos em um Massilon triste, ouvindo música que mais parecia uma versão depressiva e boêmia das melodias da Tosca Tango Orchestra. Alguns perceberam e comentaram, e eu concordo: definitivamente havia algo de anormal naquela cidade.

sexta-feira, setembro 03, 2004

O importante é não ter grandes expectativas.
O importante é pensar no gole, no trago, no minuto, no silêncio...
O importante é, sim, o silêncio, a espera, a incerteza... Ou a não-espera, o momento.
O importante é o que geograficamente aguça os sentidos, é o descaso, o desprendimento, a dose de aguardente.
É Garanhuns, a mochila, a quebra na rotina e o que não se repetirá, mais, tão cedo...
O importante é o presente e uma pequena medida de anestesia, o que ainda é possível, o simples e o honesto agora, sem alegria, sem tristeza... O sublime, o instintivo seguir em frente, o pensar solitário...
O sublime.

quinta-feira, setembro 02, 2004

Seriam os terroristas xiitas islâmicos verdadeiros artistas, e o atentado de 11 de setembro uma grande obra de arte?

Estava casualmente vendo o site do Diário de Pernambuco e me deparei com uma reportagem, “Uma crítica à crítica contemporânea”, a respeito de uma palestra que ocorreu na Fundação Joaquim Nabuco, essa semana, com a pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda, especializada em estudos culturais e literatura. É uma pena que não tenha tomado conhecimento dessa palestra antes, mas por meio desta matéria foi possível perceber o teor da discussão, sempre muito pertinente, a respeito da arte produzida hoje e da condição dos artistas e da crítica na atualidade. Bom, melhor não emitir nenhuma opinião, porque não acho que a partir das poucas declarações transcritas pelo jornal possa conhecer plenamente as idéias desta pesquisadora, mas fiquei no mínimo intrigado. Discordo de algumas dessas idéias veementemente... Já ouvi argumentos semelhantes e acho até um pouco ridículo e banal tal enfoque a respeito da arte. Mas há também um ponto de vista muito interessante sobre o ineditismo de cada momento artístico, inclusive deste momento da arte contemporânea, que dificilmente poderá ser comparado a qualquer outro, sem uma análise maior do contexto histórico em que nos encontramos.
Só dois pequenos trechos, pra polemizar:

“Citando o teórico inglês Fredric Jameson, ela ainda falou da crise da emoção hermenêutica, que teria muita relação com o papel do crítico: ‘Antes a gente tinha aquele prazer de perceber que entendeu uma obra de arte. Mas hoje esse sábio perde a importância’.”
...
“Heloísa comparou os ataques de 11 de setembro a uma instalação, ‘um espetáculo de beleza absurda, sem deixar referências para leituras imediatas, sem autor definido’, mostrando que as reações diante do atentado são semelhantes à condição do crítico hoje, que estaria num ‘grau zero’.”
Diário de Pernambuco, 02 de setembro de 2004, Caderno Viver

Será que os meus amigos artistas – músicos, poetas, fotógrafos - caso se interessem pela leitura e pela discussão, podem emitir uma opinião, depois, pessoalmente? :p Quero ouvir opinião de pessoas com mais propriedade no assunto... Só digo que eu como admirador leigo, que sou, da arte, acho certas idéias uma grande bobagem.
P.S. Ah... Pra mim, isso só vem confirmar que eu estava certo quando tava tirando onda naquela época, em Carneiros, dizendo que hoje em dia é fácil demais ser artista. Aliás, tô até pensando em retomar aquela antiga idéia de fazer a minha instalação com garrafas de carreteiro. Alguém me ajuda a colher o material? :p