sexta-feira, dezembro 31, 2004

Sete dias sem escrever. Penso que as últimas semanas foram como uma catarse. Tempo de chorar, de rir e, acima de tudo, de engatinhar um pouquinho no aprendizado daquela habilidade tão adulta de driblar a tristeza com a compensação, prolongar a alegria com a sensibilidade e os sentidos aguçados, disciplinar-se nos exercícios do silêncio e da palavra, da quietude e da euforia, da urgência e da contemplação.
Hoje é dia de escrever coisas bonitas: sou avesso a comemorações pomposas, palavras de fraternidade elegantemente distantes, abraços e beijos neutros e superstições desacreditadas, embora sempre repetidas. Sou, no entanto, adepto das linhas, dos marcos e de certos simbolismos internos (mesmo que pouco tenham a ver com tradições ou calendários). De todo modo, aceito este dia como o fim de algo bom, comovente, vivo, intenso. Aceito este dia como uma vírgula nas minhas experiências atribuladas, nos sonhos que descobri serem espantosamente realizáveis e naqueles que ainda se resguardam, inconsistentes e incertos.
Ver o tempo assim, em bloco, tem o seu valor. E encho-me de felicidade em perceber que somando e subtraindo as horas ao longo desses doze meses reafirmo, por um cálculo absurdo e inconcebível, de tão subjetivo, que este foi um ano único para se viver – e embora tenha medo de esquecer muitos destes instantes, sei que a maioria preservarei, mesmo que de forma sutil; mesmo que não os revisite na memória, cotidianamente.
É fim de ano e não sei o que dizer - mas também não tem muita importância. Amanhã haverá mais horas que se devem somar à nossa essência - ou serem descontadas dos nossos anos de vida, como queiram!
Deixo então ao menos dois fragmentos do que foi e do que ainda será, nestes muitos outros dias que virão...








Amor de loca juventud – Buena Vista social club

Mueren ya las ilusiones del ayer
que sacié con lujurioso amor
Y mueren también con sus promesas crueles
la inspiración que un día le brindé
Con candor el alma entera yo le di
pensando en nuestro idilio consagrar
Sin pensar que ella lo que buscaba en mí
era le amor de loca juventud.


sexta-feira, dezembro 24, 2004

Troquei a casa vazia de ontem por conversas existencialistas na cozinha, hoje, o que considero sobretudo inesperado – e momentaneamente animador.
Na verdade, só a idéia de sair um pouco daqui já torna os dias que se seguem mais alegres - tão fácil mudar as perspectivas depois que resolvi deixar a cidade em uma viagem relâmpago! Decidi deixar qualquer constatação para mais tarde e embarco rumo ao regaço familiar, permeado de conforto acolhedor, embora inevitavelmente distante. Vou assim para a terra onde penso menos, ambiciono menos e, no entanto, sublimo meu olhar tornando-o, uma vez mais, sensível ao que me cerca, no simples e ancestral entendimento que me aproxima da real dimensão de minhas dificuldades.
Há aqui um poema enorme e bonito, embora melancólico, que gostaria de compartilhar mas deixo para outra oportunidade, caso contrário esse blog desandaria de vez, necessitado que está de um contraponto para os excessos do dia anterior.
Ficam, então, outros versos - de força, simples e poderosos - mantendo suspensa a minha volta:

“... os que esperam, os que perdem
o motivo, os que emudecem,
os que ignoram, os que ocultam
a dor, os que desfalecem

os que continuam, os
que duvidam... Coração,
Afirma, afirma e te abrasa
Pelas milícias do não!”

Mário de Andrade, em Lira Paulistana

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Rosário

Pergunto-me como cheguei a este ponto: a minha lista de intenções está repleta de linhas brancas. Levanto-me de súbito e o meu ambiente levemente particular, onde me deixo estar sem calma, está escuro. Aqui ninguém me veria. Aqui é o lugar do esforço, onde só o interesse é capaz de me fazer alcançar, só a indagação pode perscrutar o isolamento e o distante apenas com uma pergunta pode fazer-se solidário - mas ninguém pergunta nada. Fez-se o escuro para preservar a espera, a dormência: para o cansaço, é tarde às nove horas da noite. A luz deita-se então e forra, com pesar, um lamento que não ousa existir além da sua possibilidade. Quem poderia ver-me, pois - mesmo que sem dúvida ou curiosidade aparente, acostumada a saber-me a existência - dorme.

Eu não. Eu não durmo ainda. Esforço-me para ler, cochilo um pouco, perco. Negando-lhe a derrota, no entanto, espanto do corpo o esmorecimento com um banho frio, reativo as idéias, depois escrevo. Para que escrevo? Antes havia uma certa desculpa cínica de procurar a resposta, ordenar idéias e concluir, mesmo com pensamentos inconclusos. Hoje, cansado demais que estou para ao menos pensar ou esboçar iniciativas de raciocínio a respeito desta recorrente insatisfação de desconhecida intensidade, causa e efeito, reduzo meu esforço textual a mera masturbação expressiva, em um prazer sempre solitário mas agora, além de tudo, deliberadamente inútil.

Caso contrário, o que falaria? Se há manhãs em que a simples intenção de acordar parece despropositada e todas as horas seguintes prometem-se estéreis e brancas como minhas linhas de intenções, o que escreverei? Talvez por isso se sobressaiam aqueles instantes em que as motivações tornam-se claras e grandiosas em sua verdade natural (e digo natural não como expressão do espontâneo, mas como algo tão integrado à vida quanto o é a própria natureza, como são as verdades inexplicáveis do nascer e do morrer). Sim, tal compreensão da alegria do ver-nascer, de descobrir novos seres no mundo, seres que crescem e mudam, amores que nascem e se desfazem quando a paixão pela vida se faz maior que o estabelecido na certeza do presente, personalidades inconstantes, caminhos mal traçados, enfim, parece até que observar tudo isto - mero ato de figuração e construção ausente - já vale a pena. Saber de uma criança nascendo e, acima de tudo, perceber a felicidade que esta pequena notícia desperta em todos ao meu redor; entender-me como alguém que pode vê-la crescer; concluir que sua vida será uma dádiva e que eu, de certa forma, a testemunharei - tudo isso traz um sentido vegetal e orgânico, um forte motivo que desmente a razão e justifica, por uma lógica macroscópica e impiedosamente distanciada, a necessidade de suportar a sucessão de dias iguais.

E no entanto é, ainda, muito pouco. A opressão das horas nos faz mais egoístas e insistimos na recusa de sermos apenas coadjuvantes, narradores de histórias alheias, ainda que intrinsecamente unidas à nossa. Esgarçamos as motivações à procura de uma verdade nossa e nos deparamos com verdades misteriosas, alheias e imutáveis, e certezas que nos punem, a despeito de qualquer explicação.

Por isso pergunto-me, uma vez mais, como cheguei a este ponto. Um instante em que não me faço entender, em que precisaria abrir mão do meu último movimento de busca em nome da preservação de doces atenuantes. Por isso eu sigo, também, nesse exercício de espera: rosário de pensamentos rezado em contas, sozinho, com leves murmúrios de lábios. Rosário desfiado repetidamente com uma fé sem paixão, institucionalizada pelo hábito.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Eu queria escrever uma história. Uma história que começasse agora, sem um grande marco inicial nem um evento decisivo, definido, característico da mudança ou determinante na quebra temporal que possibilita o início. Seria apenas um instante, mais um ponto na cronologia de fatos consecutivos e incertos, mas um ponto repleto de vontade e certeza, não a certeza idealizada do que vai acontecer, mas do que hoje é. Para este começo, não far-se-ia necessária sequer uma ação, apenas uma atitude, um olhar diferente, uma sensação que nem se sabe de quê entreabrindo leveza e vontade novas, insuspeitas, reveladoras e que sutilmente transformam.
Nessa história, alguns instantes denotariam um gosto duvidoso, talvez, já que nem tudo o que seria contado teria muito nexo. Seriam fatos improváveis, atitudes destoantes, centenas de milhares de movimentos bruscos desembocando na mais fina imobilidade, no mais rígido silêncio e quietude. Fatos sem clímax, revelações sem propósito, reviravoltas levando a lugar algum que não a manhã seguinte...
Diria ainda que meus personagens não teriam muita credibilidade; dispensariam qualquer admiração persistente, qualquer aparência equivocada, qualquer calma superficial ou suposta inteligência; a sensibilidade aguçada também seria desmentida em seus atos, na medida em que teriam preguiça, anestésicos e mesquinhez, medo e paradigmas; desmentiriam também sua refinada emoção com lágrimas piegas e crises rasteiras; rejeitariam inconscientemente seu suposto talento, sua convocada sorte, seu destino prometido; mas seriam verdadeiros.
Também digo que seriam bons. Bons, humanos e ousados, porque garanto que os construiria sem modéstia e os faria detentores de uma loucura só comprovável pela sua insistente crença nos sentimentos, na poesia, na estética, no amor, e por aquela estupidamente ingênua persistência em escavar um pouco mais sua dor à procura de algo de extraordinário em suas vidas.
E digo mais: construi-los-ia com tamanha vontade que seriam eles capazes de atitudes impensáveis. Então daria à história tons de fábula: porque eles seriam tolerantes com diferenças, espontâneos na sua forma de agir, pródigos em sua assumida imprudência, eternos em sua inquieta juventude, sinceros na sua raiva e cautelosos em todos os julgamentos. Um pouco fracos de espírito, admito. Todos meio sem vontade, alheios, e o próprio enredo de suas vidas perdendo-se, por vezes, em seus objetivos, criando significados inconsistentes, dando voltas, idas e vindas, a narrativa estagnando, de quando em quando, para logo depois se reerguer, num sobressalto.
Escancarariam suas incongruências, suas fraquezas, desmentiriam com seus atos a reconfortante porém equivocada admiração alheia e perceberiam que com isso a cada dia ficariam mais leves, porque prometeriam menos, e deles não muito poder-se-ia esperar.
Assim construiria uma história, e não seria diferente da história de qualquer ser humano. Mas seria, ainda assim, uma nova, esperançosa e urgente tentativa de pensar o indecifrável sentimento de liberdade e avulso pertencimento.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Recebido o resultado do segundo trabalho de Estratégia de Marketing - no qual, devo confessar, nem sequer tomei parte - considero-me, de fato, formado. Oficialmente, só com a colação de grau, em janeiro.
Expressar em uma palavra o que isso significa? Alívio, diria. Assistir às aulas há muito havia se tornado um suplício, pois considero no mínimo incômodo assistir a uma aula quando nada se espera dela, quando não há a menor avidez pelo conhecimento e pelas informações por ela transmitidas. Além disso, com o afastamento natural – e sobretudo inevitável, diria - das atividades extra-classe, não restava mais muito a prender-me àquele ambiente, durante cinco anos freqüentado e, por que não dizer, intensamente vivido.
Há, no entanto, além do alívio, uma sensação difícil de exprimir. Não apenas a sensação intraduzível proporcionada pela mudança, pelo novo, mas também uma “alfinetada” inexplicável e - principalmente agora, depois da quase confirmação de um esperado e indiscutível desfecho para o que um dia foi plano de conquista e reinício e uma inegável pretensão de freqüentar ainda os bancos acadêmicos - há, enfim, em tudo isso, talvez, uma falta de algo que não mais haverá, de um aprendizado e um convívio pelo menos por enquanto abandonados. Uma preocupação de que nos próximos meses não se aprenda tanto e as atividades sejam menos múltiplas.
Posso dizer com orgulho, no entanto, que ao formar-me deixo não apenas de ser graduando, mas, sobretudo, deixo de fazer parte de uma comunidade. E que felicidade poder dizer que pude realmente conhecer o que significa fazer parte da conhecida – e muitas vezes estereotipada, idealizada, venerada e atacada – comunidade acadêmica da UPE.
Minto: há mais que felicidade... Há um sentimento “que está cá dentro e não quer sair”...

“Mas a poesia deste momento
Inunda a minha vida inteira”

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Resolvi “desmudar” o que já estava mudado. A partir de agora, este blog volta a se chamar Lost in solitude. Poderia enumerar diversas explicações para isso, mas os motivos se resumem a dois, e são bem simples.
Primeiro: desde que nasceu, este espaço sofreu de dupla personalidade, ora se reconhecendo como uma referência à estima pessoal por certos sentimentos anacrônicos herdados de um estado de deslocamento constante e por um apreço a valores “arcaicos” - podendo ser estes encarados como ultrapassados, importantes ou simplesmente excêntricos - ora como o sentimento solitário contido nas palavras não-compartilhadas e a expressão tímida de pensamentos inconfessados ou não-articulados em sons durante as conversas cotidianas. Ocorre que, depois da mudança de título feita há semanas atrás, tal espaço virou – para simplificar a história - uma zona! Na maioria dos outros blogs em que é mencionado, os links estão com o nome antigo, no contador t-extreme está lá o mesmo nome de antes e, o que para mim pareceu a gota d’água: minha própria pasta de rascunhos para possíveis posts futuros ainda se chama Lost in solitude! Imaginando que tripla personalidade já é um pouco demais até mesmo para um blog que tem lá seus momentos de sincera esquizofrenia, considerei sensato deixar tudo como estava antes.
Segundo motivo: eu simplesmente não me acostumei ao novo nome e achava esquisito toda vez que o via – cheio de palavras compridas, consoantes, e sei lá mais que motivos subjetivos e ilógicos que me fizeram antipatizar com ele, tão logo o publiquei no alto do meu insosso template...
Quanto a ele, ainda (o “ex-novo-nome”), tirei-o de um aforismo de Nietzche. Achei-o interessante, e como já pensava em dar novo título ao blog, por achar “Lost in solitude” um título pedante, americanizado e tristonho (embora a intenção tenha sido das melhores, como deixei claro no segundo post que publiquei aqui, explicando-o) resolvi efetivar a mudança, que agora desfaço. No entanto, pra não passar batido, deixo um trecho da relevante consideração de Nietzche:

“Assim como não apenas a idade adulta, mas também a juventude e a infância têm valor em si, não devendo ser estimadas tão-só como pontes e passagens, do mesmo modo têm seu valor os pensamentos inacabados.”

O que ele diz não é nada demais, mas ainda assim acho que estas suas palavras justificam um pouco a existência de tantos blogs cheios de rascunhos - às vezes até um pouco preguiçosos - de contos, crônicas, poesias e reflexões íntimas...

sábado, dezembro 11, 2004

Tem uma frase dita no filme "O fabuloso destino de Amélie Poulain" que eu não lembro exatamente, mas que é algo como: "Quando um dedo aponta para o céu, só um idiota olha para o dedo!"
Quanta verdade pode haver em uma única frase... E quantos idiotas existem a olhar insistentemente para um mísero dedo, por falta de consciência da real dimensão do que os rodeia ou simplesmente pela falta de habilidade em fazer diferente e buscar uma maior abrangência para sua visão.

Ou como disse certa vez um colega de trabalho, em uma das tardes no meu antigo estágio: "Não se pode ficar assim, 'aleotariamente' esperando que as coisas aconteçam por si mesmas..."

Ou ainda, já que hoje estou cheio de aspas: "Você não soube escolher - foi escolhido."

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Today's The Day - Aimee Mann

Better pack your bags and run
or stay until the job is done
or maybe you can sit and hope
that providence will fray the rope
and sink like a stone
or go it alone

And isn't it enough - for you?
isn't it enough?

So better pack your bags and run
and send it to oblivion
where you don't look like anyone
that anyone would care about
and do what you do
'til it buries you

and isn't it enough - for you?
isn't it enough?

And baby - isn't it enough?
like major reno at the bluff
wondering aloud if help is on the way
and baby, isn't this your chance
to make a break with circumstance
isn't it enough to prove today's the day?
isn't it enough to prove today's the day?

Minha mãe que não é besta já dizia: ninguém morre de amor - o que mata é raiva e preocupação. E eu que tenho um jeito estranho de ficar preocupado, passo o dia até com uma aparente tranqüilidade, mas quando durmo... aí é que o bicho pega.
Eu, por exemplo, só descobri que tava preocupado com o vestibular essa semana, quando passei uma noite inteira sonhando que tinha um bloqueio e não conseguia fazer a redação, no primeiro dia de provas. Passei então a noite nessa agonia, vendo o tempo passar, o momento em que as provas seriam recolhidas chegar e nada de conseguir produzir uma linha sequer.
Isso acontecer não é novidade, uma vez que há tempos já sei que tenho uma coisa chamada subconsciente bastante desenvolvida, de modo que tudo o que não somatizo – o que é comum, no meu caso – fica sendo remoído sem que eu mesmo note.
O cúmulo, no entanto, foi hoje de manhã passar o tempo todo sonhando com aberturas de contas, clientes, gravatas. E eu que ri quando me disseram que nos primeiros dias de trabalho era comum se apavorar com o excesso de informações, a ponto de sonhar com o banco... E eu que ri, achando que era besteira... Só pode ser praga de chefe, isso – porque praga de chefe pega!
Mas enfim: isso explica minha pouca disposição para escrever aqui. Minha semana tem estado insuportavelmente voltada para a produtividade e o pragmatismo. Por outro lado, meus dias de folga – leia-se fins-de-semana e feriados – têm sido bem improdutivos, pois talvez pelos motivos citados acima, eu tenho estado levemente vulnerável aos efeitos do lazer despreocupado. Resultado: as noites de sexta, sábado e pré-feriados estão consagradas ao desbunde total e à filosofia de vida do original olinda style (o tal do “pode me chamar que eu vou...”) e os dias subseqüentes, por sua vez, estão consagrados ao mais deprimente malefício do álcool e do fumo: a ressaca!

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Achei um post perdido na minha pasta de escritos, anotações e afins, no computador. Um post que na verdade é a junção de um texto escrito há bastante tempo – final de 2002, acho – e um comentário a respeito desse texto.
Trata-se na verdade de uma pequena reflexão a respeito do prazer em ouvir, em conhecer, compartilhar... Também é sobre as dúvidas que envolvem as reais intenções e motivações humanas no convívio cotidiano e, acima de tudo: sobre como um ponto de vista pode mudar à medida que se escreve um texto, a ponto de inviabilizar sua conclusão, e sobre como um coração pode amolecer enquanto se escreve, substituindo uma visão momentaneamente cínica pelo mais puro reconhecimento – que ainda hoje preservo, ainda bem – de como é bom ouvir, compartilhar, voltar-se um pouco para fora, para quem está por perto...
Segue o post "encalhado"...
Projeção

Ah, o altruísmo! A necessidade de ajudar os outros, a satisfação de se sentir bem com sua humilde contribuição para o sucesso ou a felicidade do próximo! Durante toda a nossa existência, buscamos acreditar que nossos atos são importantes e podem fazer a diferença na vida de outras pessoas. Como uma fuga à volatilidade dos nossos dias, realizamos ações que possam ter desdobramentos futuros na história de alguém. Quando interferimos no curso de uma pessoa, imprimindo a nossa marca pessoal, contribuindo com nossos conselhos, nossas idéias ou simplesmente nossa boa vontade, acreditamos que podemos, dessa forma, justificar nossa própria existência e nos sentimos mais próximos da idéia de uma coletividade, concretizando mensagens edificantes de importância para o próximo e de convivência fraterna.
A verdade é que, se somos impotentes, incapazes de solucionar os nossos problemas, tampouco temos as respostas para os dilemas e questionamentos daqueles que nos rodeiam. Compartilhamos, assim, em uma cumplicidade tácita, nossos anseios e, incapazes que somos de expressar os sentimentos que nos afligem, encontramos um consolo na simples convivência, na proximidade incômoda, na identificação recíproca e não-revelada. Sentamos lado-a-lado e, calados, agradecemos pela presença reconfortante de quem admiramos em silêncio.

...

Esse é um texto que escrevi há bastante tempo atrás, logo depois que entrei no DA, levado pela reflexão a respeito do que significava contar com os outros, ajuda-los, compartilhar experiências, momentos de aprendizado intenso, mudanças e emoções à flor da pele.
No dia em que o escrevi, no entanto, e nem lembro mais porquê, a intenção inicial era ser irônico, talvez porque naquele instante acreditasse que essa vontade desmedida de ajudar os outros, compartilhar sentimentos, falar e ouvir, era movida muito mais por uma necessidade de auto-afirmação, de sentir-se importante para os outros, de tornar-se especial naquele momento para os que indubitavelmente estavam, em contrapartida, tornando-se especiais para mim e transformando-me, do que realmente pela preocupação com o outro, com seus dilemas, dúvidas, questionamentos...
O fato é que o texto ficou interminado... Mais que isso: seu propósito inicial foi frustrado. Isto porque, à medida que escrevia, lembrava da importância daquelas pessoas, da admiração que sentia por elas, do respeito, do carinho e da gratidão que julguei - e ainda julgo - eternos. No caminho que segui na construção desse texto, desde o início até onde parei, portanto, as palavras foram mudando seu rumo, para enfim revelar nas últimas linhas que, na verdade, o que existia eram todos esses bons sentimentos não-ditos, velados, e era a espontânea convivência diária que concretizava, justamente com sua leveza, toda a profundidade dessa aproximação, desse afeto.
Conclui ao final que a busca pela auto-afirmação existia, portanto, mas o que movia aquela necessidade de contribuir para a existência dos outros era realmente aquilo que chamam de altruísmo, não no sentido irônico inicialmente pretendido, mas naquele sentido tão pessoal que pautou meu entendimento... Para mim, altruísmo acabou se revelando, pois, como o dom de reconhecer a importância dos outros em sua vida e de acreditar na urgência de ter os olhos abertos à intensidade de cada momento vivido, para cada um...
O título, assim, chamado maldosamente de “projeção” para levar a idéia de que, quando olhavam para os problemas dos outros, as pessoas acabavam apenas enxergando a si próprias, não maculou a imagem final que surgiu à minha mente e que encerrou o texto: duas pessoas que se admiravam mutuamente, sentadas lado a lado, em silêncio, mesmo que as palavras engasgassem e o pudor rejeitasse o diálogo.
Experiências coletivas sempre são difíceis, pois na maioria das vezes, mesmo que inadvertidamente, crescemos unicamente como indivíduos, ao nosso jeito, avulsos... E que choque que é de repente contar com o outro, ouvi-lo, conviver, divergir e conciliar! Mas a recompensa dos que se permitem serem seres plurais... ah!, essa, só quem teve a ousadia de encarar “a face do outro, ao meio-dia, como um enigma”, sabe o que isso significa...

terça-feira, novembro 30, 2004

Sem computador, por enquanto. Espero estar de volta em breve, assim que meu monitor voltar a si...

sábado, novembro 27, 2004

Há muito tempo, já, deveria ter falado aqui sobre uma preciosa aquisição com que me presenteei, no mês de setembro, após um bom tempo em que estive lendo versos soltos de Mário de Andrade, presentes em forma de citação, nos escritos de Fernando Sabino – este segundo, por sinal, muito contribuiu para estimular meu gosto pela poesia, ao mostrar-me por meio de suas citações o quão próxima ela poderia estar de nós, cotidianamente, e dissipar o restinho do odiável preconceito que reduz os poemas a meras reflexões amorosas carregadas de passionalidade e romantismo exacerbado.
Enfim... Tal aquisição trata-se do volume Poesias Completas, de Mário de Andrade. Comprei-o e estavam lá todos aqueles versos bonitos, estranhos ou curiosos com que me deparei no livro de Sabino e que despertaram meu interesse em conhecer melhor as poesias deste controvertido escritor. Confesso que fico um pouco perplexo com o teor de boa parte dos poemas, que considero um tanto “inacessíveis” ou, diria até mesmo, “ininteligíveis”, carregados que são de antigas expressões populares (é notável a pesquisa dos costumes populares e das tradições e a busca da brasilidade por Mário de Andrade), símbolos, metáforas, figuras de linguagem... Mas tranqüilo que sou com relação a essa questão do “entender racionalmente” e do “descobrir intimamente significados estéticos, idéias subjetivas e sensações, mesmo quando não se entende perfeitamente o que se lê”, não vejo grandes problemas nessa minha dificuldade e sigo, besta que sou, sem conseguir pegar o livro e não folheá-lo quase que por completo. Aliás, é assim que normalmente o leio: folheando, lendo poemas pela metade, emendando versos, fazendo “mosaicos poéticos”, como um leitor hiperativo.
Devidamente apresentada essa minha aquisição, digo que vou tentar postar uns poemas aqui de vez em quando, já que existem tão poucos poemas de Mário de Andrade na internet e alguns eu acho realmente bons.
O primeiro, então, é só um trecho, na verdade, do Rito do Irmão Pequeno, dedicado a Manuel Bandeira e muito citado por Sabino. Resolvi começar por esse pelo fato de que essa semana foi muito difícil para um bocado de gente, inclusive pra mim...


VI

Chora, irmão pequeno, chora,
Porque chegou o momento da dor.
A própria dor é uma felicidade...

Escuta as árvores fazendo a tempestade berrar.
Valoriza contigo bem estes instantes
Em que a dor, o sofrimento, feito vento
São conseqüências perfeitas
Das nossas razões verdes,
Da exatidão misteriosíssima do ser.

Chora, irmão pequeno, chora,
Cumpre a tua dor, exerce o rito da agonia.
Porque cumprir a dor é também cumprir o seu próprio destino
E chegar àquela coincidência vegetal
Em que as árvores fazem a tempestade berrar
Como elementos da criação, exatamente.

terça-feira, novembro 23, 2004

"Uma coisa é necessário ter: ou um espírito leve por natureza ou um espírito aliviado pela arte e pelo saber."
Friedrich Nietzche

domingo, novembro 21, 2004

Há algumas semanas atrás escrevi um post aqui falando sobre a saída de uma pessoa do meu atual-quase-ex-estágio no Tribunal de Justiça, estando eu motivado pelo fato de que, naquele período, coincidentemente saíram vários estagiários da nossa coordenadoria em um curto intervalo de tempo. Na ocasião, me ocorreu o pensamento de como todo aquele conjunto de ações já conhecidas e comuns a quem vai embora eram tão triviais, mas, ao mesmo tempo, poderiam significar algo para quem partia, uma vez que a minha própria reflexão a respeito daquelas saídas já eram carregadas de significado, mesmo a mim, que nem sequer estava vivendo aquela situação diretamente. Despedidas, abraços, desejos de sucesso e felicidade, promessas de contato e visitas algum dia, tudo poderia ser tão mecânico ou tão tocante, dependendo do grau de sensibilidade ou cinismo de quem aqueles instantes presenciava.
Eis que chega minha vez de dar adeus, e não poderia ser diferente: foi um adeus do meu jeito – apático, escondido, omitido – ou seja, o não-adeus. Eu não tive tempo, eu cheguei correndo, eu não sabia o que fazer: desvendar um jeito de fazer backup dos meus arquivos salvos no disco rígido ou me pôr a par das burocracias para rescisão do contrato? Informar a saída ao coordenador ou atualizar minha freqüência? O fato é que tanto tempo houvesse quanto fosse necessário, eu não saberia como fazer com que todos soubessem que eu ia sair. Eu não me imagino passando de porta em porta falando “ei, estou saindo, foi um prazer trabalhar com você...” Nessas horas que percebo o quanto meu comportamento anti-social pode ser incômodo: quando se entra e sai de uma sala de segunda a segunda, com uma feição simpática mas incapaz de dizer muitas palavras, e quando se gasta o tempo entrincheirado na mesa do computador pensando na vida ao invés de aproveitar os momentos de ócio (e esses existiram muito) para interagir e trocar conversas cordiais, passar de sala em sala e comunicar a saída só poderia soar estranho. Não se pode dizer adeus a uma intimidade que nunca existiu, criada de forma súbita pela pura necessidade de se despedir.
Ora, mas não se faz isso, não se despedir das pessoas! Então me alivia que ainda precise voltar ao estágio para resolver burocracias, pois o objetivo singular e o ineditismo da ocasião me ajudam a quebrar uma rotina de silêncio que eu mesmo, talvez por uma certa falta de jeito, criei.
Mas, enfim, voltando ainda àquela idéia de que hoje o compasso dos dias me leva à mesma situação na qual presenciei outros, meses antes, chego ao ponto que me intriga. Não percebi nenhuma grande comoção em quem se ausentava deste ambiente quando tal momento tornou-se premente, e no entanto confesso uma certa... inquietação (não encontrei outro nome). Deste modo, seria eu insensível em não perceber a comoção dos demais, seriam eles melhores do que eu em disfarçar esta “inquietação” ou sou mesmo mais emotivo e talvez mais fraco que os demais? Porque mal pude conter o nó na garganta, por exemplo, ao comunicar minha saída a um parceiro de trabalho que aprendi a admirar como profissional e, acima de tudo, como ser humano, embora mal tenhamos trocado experiências ao longo deste “um ano e oito meses” e as conversas tenham sido esparsas. Talvez seja mais “comovível” do que a maioria, e não constato isso sem um certo incômodo. Talvez ainda precise aprender a viver para aprender que uma pessoa não se deixa tocar assim tão facilmente por acontecimentos cotidianos, “da vida”, ou pelo simples fato de que em alguns momentos esta vida anda um pouco, digamos, mais depressa, por caminhos que ainda não desvendamos.
Neste lugar talvez tenha aprendido lições curiosas, que com o tempo compreenderei: é possível admirar alguém sem conhece-lo plenamente ou criar vínculos de amizade; é possível sentir-se bem sem se sentir produtivo de fato; é possível sentir-se bem visto mesmo quando se acha sub-aproveitado; é possível ter saudade e nostalgia mesmo quando se busca o novo.

terça-feira, novembro 16, 2004

Soube que ela tem chorado. Nem lembrava mais dela, no sentido mais amplo de lembrança como presença e sentimento, e tinha há muito tempo, já, passado a apenas saber da sua existência, sem comoção ou saudade, apenas na lembrança burocrática proveniente da memorização de fatos. E de repente descobri que ela tem chorado.

Ela que cresceu cedo, que queimou etapas, que teve, suponho, a ânsia de ser livre, de ser forte, de ser mais, amadureceu antes. Ela adulta quando eu, na mesma idade, desfiava sentimentos infantis... Ela imponente, aquela postura demasiadamente ereta, aquela simpatia petulante, aquela confiança... Ela que tragava quando eu ainda tomava meus chopps, que gostava quando eu ainda me escondia, que sorria sem medo ou vergonha quando eu ainda punha a mão nos lábios pra disfarçar... Ela tem chorado.

E disse que “de certa forma” é feliz. Estranho. E eu queria dizer que não a imagino dizendo isso. Ela sempre foi alegre, naquela qualidade de alegria desavergonhada e intensa. Queria então dizer que não a imagino dizendo que é feliz “de certa forma”, e é verdade que, quando soube, a princípio não imaginei. Só que ela com filho, ela casada, ela morando longe, ela confinada, trabalhando e sendo mulher de família, ela senhora, deve ter inventado mais essa, e de tanto que cresceu passou a falar coisas que não se imagina.

O fato é que, pensando melhor, aderindo àquela reflexão que acompanha os pensamentos diários sem tomar a dianteira mas que surte seus efeitos, entendi depois de um tempo o que deve ser este “ser feliz de certa forma”. Mas tal entendimento é mais uma suspeita - porque não sou maduro, não sou imponente, não conheço a satisfação pelo que tem que ser ou a resignação pelo que aconteceu, simplesmente. Conheço aquela alegria incisiva, súbita, que faz rir por dentro e traz euforia. A felicidade, esse sentimento que por natureza é mais duradouro e conceitualmente suponho que deva ser mais linear, não conheço bem. Muito menos “de certa forma”. E nem posso afirmar saber de muitos que o desvendem. À parte essa deficiência, no entanto, desejo-lhe a felicidade, sinceramente. Desejo-lhe que seja feliz, de muitas formas.

Para ouvir: Nancy Wilson – Elevator beat

sexta-feira, novembro 12, 2004

Clarice Vogler

Ruas do Recife Antigo. Noite. Artistas declamando textos enquanto compro vinho. Uma linda e jovem atriz lisonjeada com alguns elogios.
Uma mulher misteriosa, de aproximadamente trinta anos, que se disfarça e marca encontros com uma jovem, ensaiando gestos, repetindo falas combinadas, subtextos intencionais. Para quê? Não se sabe...
Tudo uma peça de rua, acontecendo em esquinas e prédios do bairro boêmio. Apenas eu assisto. Três atores (sendo um deles a bela jovem) mais a mulher misteriosa que só aparece no final.
Em uma cena, trancam-se em uma sala; apenas ouço as conversas por trás da porta branca, até que observo pelo olho mágico. Cacoetes e expressões distorcidas pela pequena estrutura de vidro, repetindo-se indefinidas vezes.
(Assistir a uma peça encenada só para você, por meio de um olho mágico? Só sei que foi assim...)
Uma trama circular, um nó na história, uma esfera se desprende e atravessa o corredor, dando início à cena do encontro: a jovem e Clarice Vogler, juntas. Falas ensaiadas (pelos personagens, não pelos atores), desentendimento – não está sendo feito da forma correta, reclama a mulher madura. Ponto circular da trama, tudo se reinicia naturalmente, a peça inteira mais uma vez, e minhas ações também. A compra do vinho; os elogios; a beleza da jovem atriz; Clarice Vogler – quem é ela? No meio de tudo isso, um desfile por uma ponte, ao som de uma música grotesca que não sai dos ouvidos, cantada de forma meio infantil, meio demente.
Círculos...

Isto não foi sonho, foi experiência fora do corpo. :P E ainda acordo esquecido de onde estou...

terça-feira, novembro 09, 2004

Pensamentos clichês seriam, de fato, clichês, se não fossem estes não apenas comuns mas também relevantes a tantas pessoas, em tantas ocasiões? Talvez por isso mesmo sejam clichês e transformem-se nesse tipo de lugar-comum: todos os têm em alguns momentos da vida, guardam-nos para si e os conhecem bem, tamanha a clareza com que se mostram, verdadeiramente dignos de atenção.
É com tal condescendência para com esta qualidade de reflexão já tão exaustivamente expressa e remoída que menciono, ao menos de modo breve, então, a surpresa que me assola ao revisitar pequenas lembranças de circunstâncias passadas e me deparar com a obviedade, ou melhor, com a primitiva e simplória clareza dos fatos. O distanciamento que permite enxergar de forma tão estupidamente explícita a configuração e o desenrolar de determinadas situações põe abaixo qualquer impressão equivocada de uma suposta “complexidade”.
Refiro-me aqui ao mais clichê de todos os assuntos: as fotografias antigas. Para simplificar, então, digo simplesmente: convém preservar as velhas fotos, pois elas guardam em si a verdade, e qualquer apreciação distanciada e desprovida da influência da memória recente pode mostrar claras e relevantes descobertas.
Faz-se oportuno, assim, questionar: serão tão claras também as circunstâncias presentes, sendo estas tornadas obscuras apenas por uma imperdoável miopia própria do tempo presente, do calor das emoções?
Observar, de vez em quando, os fatos presentes como fotografias antigas: eis um saudável exercício de distanciamento que pode, em último caso, ajudar no encontro da real dimensão do que nos aflige.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Nesses próximos dias, a cidade respira cultura...

- II Semana Nacional de Cultura e Reforma Agrária do MST, na UFPE
- VIII Encontro Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema), na UNICAP
- Festival Varilux de Cinema Francês, na FUNDAJ

Infelizmente, vou acabar não participando de nada disso, estou totalmente sem tempo, cheio de tarefas sem sentido mas obrigatórias a realizar.
Ah, como eu queria ser muitos e ter muito tempo para participar de tudo isso... Lembrei agora de um verso do Mário de Andrade, “sou trezentos, sou trezentos e cincoenta”. Eu também queria ser muitos, ou então ao menos saber o que priorizar, descobrir o que me interessa de verdade, pra não ficar querendo fazer um pouquinho de cada coisa, querendo um pouco de tudo. Quero deixar de ser “trezentos, trezentos e cincoenta” apenas nos meus interesses frustrados e passar a ser múltiplo também nas minhas ações...
Mas cá pra nós, que cidadezinha abençoada, essa, berço de tantos acontecimentos que produzem, divulgam e pensam cultura. Por isso Recife me conquista um pouco mais a cada dia.
Se chegarem a ler isso aqui, sintam-se repreendidos... :P Gastem no computador apenas o tempo necessário para pegar a programação desses eventos (vou nem comentar alguns dos muitos pontos destas programações que me chamaram a atenção, pra não ter raiva...), vão em frente e participem de tudo que puderem. Só não me contem nada depois, porque sexta-feira já estarei na estrada, de novo...

terça-feira, novembro 02, 2004

Engraçado descobrir uma música como se a ouvíssemos pela primeira vez.
Curioso também como palavras felizes, de conforto, podem soar de forma tão distinta quando inseridas em diferentes contextos, seja da vida de quem as escreveu e cantou, seja daquele que as ouve...

“Viver é bom
Nas curvas da estrada
Solidão, que nada
Viver é bom
Partida e chegada
Solidão, que nada”

Definitivamente, viver nas curvas da estrada é de uma incerteza boa, quando até o ruim tem sua razão de existir...

sexta-feira, outubro 29, 2004

De muitos e muitos anos incríveis...

Essa música eu nem sei dizer o que significa pra mim, tantos foram os significados que ela incorporou ao longo dos anos... :p

God only knows - Beach boys

I may not always love you
But long as there are stars above you
You never need to doubt it
I'll make you so sure about it
God only knows what I'd be without you

If you should ever leave me
Though life would still go on believe me
The world could show nothing to me
So what good would living do me
God only knows what I'd be without you
Nem acreditei que voltará a ser exibido em canal aberto a série de TV Anos Incríveis. Vamos ao que interessa: esqueçam todo o insuportável patriotismo exacerbado norte-americano, porque dado esse devido desconto, digo que esse é o melhor programa de entretenimento simples da televisão, de todos os tempos. Muitas risadas inteligentes e, diria até, momentos de emoção sincera (putz, eu era criança ainda quando comecei a assistir, dêem um desconto :p).
O que pretendo comentar mesmo com mais calma, depois, é a trilha sonora, simplesmente a melhor já feita para qualquer coisa na televisão (só rock e folk dos anos 60, além de alguns clássicos da música popular).
Beatles, Jefferson Airplane, Joni Mitchell, Neil Young, Jimi Hendrix, Richie Havens, Otis Redding, Bob Dylan, The Doors, Simon and Garfunkel, The Who, Joan Baez, Judy Collins, Sly And The Family Stone, Beach Boys… A lista continua indefinidamente.
Ok, já somos todos grandinhos, mas se puderem conferir as aventuras e desventuras de Kevin Arnold, Paul Pfeifer e Winnie Cooper, embaladas pelo som e todo o contexto histórico do final dos anos 60 e início dos anos 70... Enfim, se quiserem assistir a ótimas histórias inteligentíssimas e bem-humoradas sobre jovens que crescem numa época de Woodstock, Guerra do Vietnã, efervescência do rock and roll, movimento hippie e tudo mais, creio que não fará mal lembrar um pouco da infância, tendo visto ou não a série (os temas que se desenvolvem ao longo dos 115 episódios são, na verdade, atemporais, apesar da época específica em que se passa a história). A identificação creio que é imediata e a satisfação, diria que é garantida.

Para assistir: Anos Incríveis, de segunda a sexta, a partir do dia 01, às 18:30, na Cultura

quinta-feira, outubro 28, 2004

A pressa tem o seu preço. Não se exige tudo em um único instante, com a máxima urgência, impunemente. Corre-se o risco sempre considerável da frustração ou do atropelo – sensações não totalmente remoídas acumulando-se, cristalizando-se na mais pura incerteza e imprecisão.
Perigoso mesmo, ainda, é condicionar o entusiasmo ao movimento constante. Uma hora desacelera-se, e a motivação pode sumir.
O temor à calmaria leva a isso: desaprende-se a viver o silêncio. Rejeita-se a linearidade, a tranqüilidade. Exige-se tudo, agora.

“- A paciência é a maior das virtudes.
- A impaciência também tem seus direitos!”
Lavoura arcaica

segunda-feira, outubro 25, 2004

Eu fiz esse texto em maio deste ano, quando ainda nem tinha um blog, e confesso que nunca pensei realmente em postá-lo. Tive, no entanto, boas notícias nesse fim-de-semana que me fizeram lembrar um pouco dele. Ainda bem que a saudade às vezes recebe um alento, e os olhos podem chorar, também, pela mais autêntica felicidade...


Os olhos da minha avó

Quando criança, costumava pensar no semblante dos mais velhos como uma inerte expressão da experiência, dos anos... Qualquer sinal de alteração em seus traços era por mim tomado como próprio da idade, e nada tinha a ver com circunstâncias concretas, do momento.
Era, pois, um mistério decifrar o que comunicavam as linhas da face, olhos e lábios não mais tão terminantes, repletos do efeito do tempo. Optava, então, por considerar essa hipótese de uma falsa lenda por mim criada de que os velhos não tinham o mesmo controle que eu de suas feições, e ao passo que eu conseguia disfarçar a pior das tristezas com um sorriso amargo, para eles me parecia impossível resistir aos caprichos de músculos e tecidos que não respeitavam as emoções neles refletidas.
Foi assim que minha avó, sutilmente, alimentou minha falsa percepção do mundo quando um dia, pondo-se a lembrar de um filho que há muito partira e do qual hoje não se sabia notícia, a não ser que estava completamente solto, em uma cidade de abandonados, deixou-se encher os olhos d’água, que se percebia por sob as lentes dos seus óculos de grossa armação. Observando aquela cena com uma indiferença de quem carece de emotividade, perguntei de forma quase casual:
- Você está chorando, vó?
- Não, meu filho, é a idade... Quando a gente fica velho, os olhos começam a ficar assim, correndo água...
E deixou-se ficar imóvel, por um momento, até que prontamente ergueu um pouco seus óculos e enxugou sua tristeza. Mais não lembro, apenas suponho que a conversa foi invadida pelo trivial, enquanto sentimentos eram mais uma vez submergidos na introspecção da experiência.
Naquele dia, prontamente acreditei que aqueles olhos fundos e sempre tão brilhantes choravam por acaso, pois a dor da saudade e da distância não tinham ainda, para mim, grandes dimensões, de modo que parecia razoável que uma lembrança sumisse assim, leviana, de uma conversa, sem causar nenhum abalo.
Tal distanciamento entre meus poucos anos e a maturidade que se me apresentava diminuiu, quebrando a equivocada idéia de que os adultos eram sempre previsíveis, sérios, irredutíveis e quase gélidos em sua praticidade. Mas naquela ocasião parecia, então, que só os imaturos sofriam diante do inevitável.
Terna lembrança de uma época de ingenuidade, em que acreditava que os mais velhos não choravam, e qualquer evidência de uma lágrima não era mais que uma simples e pura manifestação natural de um corpo não mais tão certo de si.

06 de Maio de 2004

No divã, delírios lynchianos

- Um episódio sem importância, mas ilustrativo? Eu deveria mencionar um? O que seria? Creio que não há nada que ateste essa minha, digamos, imersão em pensamentos desligados da realidade... Nada que me caracterize como uma pessoa que fantasie o que me rodeia... Mas há um fato talvez relacionado a isto a que você se refere... É sobre o que acontece nessa época do ano comigo... Nesse mês, há frutos nas árvores da cidade amadurecendo, caindo...
- Sim, fale um pouco mais sobre isso.
- Então... Daí eu ando na rua e tem aqueles... aqueles frutos...
- Sim... prossiga.
- Você sabe... Aqueles frutos amadurecidos, caídos no chão, de cor púrpura...
- Jambos...
- Isso! Jambos... E eles estão em toda parte, amassados, pisados, e para mim, não importa quantas vezes os veja, sempre parecem pequenos animais mortos... sabe? Morcegos atropelados ou pisados, no chão... Ou pequenos pássaros, seus corpos dilacerados na queda e no movimento da rua, pessoas pisando, carros passando... Às vezes parecem... como posso dizer? Você já viu pequenos passarinhos que ainda estão por nascer, quando de repente quebramos a casca do ovo? Eles se retorcem, agonizam num desespero mudo, asfixiados, seu corpo ainda não preparado para esse contato prematuro, forçado, com o mundo... E eles morrem, ressecam e ficam assim, de cor púrpura, retorcidos, a pele seca, apodrecendo... É isso: como pequenos embriões não nascidos, jogados nas calçadas, apodrecendo... Fetos! Nossa, parecem mesmo fetos... Ou às vezes, ainda, parecem pequenos membros, decepados, desfigurados, restos humanos jogados em calçadas..
- ...
- Isso é grave, doutor?

quinta-feira, outubro 21, 2004

Deu no site do JC on line: "Café em excesso prejudica concentração nos estudos."
Quanto aos outros eu não sei, mas o que tem prejudicado de verdade meus estudos, e muito, é a vontade doida de dormir que me dá, toda vez que pego em um livro. :p Considero então a hipótese de aderir à moda do café. Assim, quem sabe, consigo ler mais de uma página por dia daquela infinidade de matérias e assuntos que nunca conseguirei contemplar neste breve período que me separa das provas no fim de novembro.
Dos males, o menor.

quarta-feira, outubro 20, 2004

A vista da minha janela proporciona sensações as mais variadas. Hoje, por exemplo, descobri que observar os carros que passam ao longe, na 17 de agosto, ao som de Sigur Ros, é experiência das mais esquisitas (ou minha esquisitice materializou-se, exaltada que foi pela música, nos pobres veículos nem um pouco culpados da minha esquisitice).
Acontece que minha janela, nessas últimas horas, decidiu virar protagonista das minhas horas, e absorveu-me com suas papagaiadas. Imagina só que ontem eu invento de dormir logo cedo – ganância de estudar quando o cérebro se recusa – e só acordo às 4h da manhã, sem nada a fazer, a não ser deixar que o mundo fale. E lá vou eu ver a rua tranqüila, imaginar os percursos e percalços de um transeunte que porventura se arriscasse a essa hora da madrugada. Seria bom? Seria ruim? A iluminação triste e amarelada, a quietude, o ar parado e cauteloso da noite, tudo lembra Drummond e diz que é bom ser livre nas ruas. Aquele sentimento de anacronismo me invade, vontade urgente não-realizada de passeios soltos, noites claras, bebidas baratas, romances de calçada e filosofias de praças. Meu fígado por uma zona boêmia qualquer, dos anos 50!
Mas digo papagaidas porque minha janela nem sempre é tão sisuda, e mostra coisas as mais variadas conforme o humor que o dia assume. Desde os fuscas e motocicletas velhas que sobem a ponte causando estampidos de assustar vizinhanças até verdadeiras cenas policiais de tiro e perseguição – minha janela tem um humor macabro que ainda não decifrei.
Nem tudo, pois, é felicidade na minha janela. Esse momento, assim, vazio, abandonado, traz reminiscências tristes do nada a fazer, da espera vã, do quieto desespero que nela revivo, separado que já me deixou, algumas vezes, do mundo.
A janela só me serve quando mostra algo que conheço, e quando me sinto capaz de descer até lá embaixo e viver. Porque nela, afinal, tudo passa longe: carros, pessoas, formigas...

segunda-feira, outubro 18, 2004

...sessão descarrego...

“A vida tem seu jeito de nos ensinar...”

Relutei muito em escrever este post, mas há algo que precisa ficar bem reafirmado em algum lugar assim, visível, de fácil acesso para mim. Algumas coisas precisam ficar bem óbvias, explícitas, para não serem esquecidas.
É fato que em alguns momentos inevitavelmente nos perdemos. A primeira grande decepção pessoal a gente nunca esquece, e para mim, se deu há algum tempo atrás e foi do pior tipo: foi a decepção não por não ter atingido meus objetivos, mas por, ao atingi-los, perceber que em algum lugar, no meio do caminho, eles tinham perdido um pouco do seu sentido. Vai ver que foi aí que me perdi, quando desacreditei da idéia de que planejar, ter sonhos realizáveis, concretos e definidos em tempo e espaço era válido, e comecei a pensar que a vida era muito volátil para permitir qualquer meta, qualquer certeza ou direcionamento. Como diz uma personagem no filme mexicano “Amores brutos”: “Se queres fazer rir a Deus, conta-lhe teus planos.”
Um bom tempo se passou, afinal, e um pouco de maturidade talvez tenha sido somado às minhas parcas qualidades. A vida mostrou que é muito difícil, mesmo, saber que rumo os fatos tomarão e para onde seremos levados, uma vez que nosso bem estar - nossa paz de espírito, diria mesmo - depende de um sem-número de fatores... incontroláveis. Como um estalo, no entanto - ou melhor, não de forma assim tão brusca, mas como que num despertar, num instante de maior lucidez, em que uma névoa se dissipa e enxergamos melhor a verdade – percebi que mesmo quando frustrada, a ação nos leva a algum lugar. Nem sempre para onde esperamos, mas para algum lugar, sim, onde há o novo que nos espera... E é disso afinal que precisamos: do novo, da mudança, não aquela que nos atropela e nos deixa para trás, engolindo poeira, mas aquela que nós criamos intimamente, com o aprendizado, a disposição, o amor por nós mesmos e pelas possibilidades que podemos encontrar.
Assim, de espírito renovado por esse despertar afinal concretizado, sinto-me levado a planejar de novo, querer, sonhar com algo além da já tão difícil plenitude momentânea. É bom pensar o presente, celebrando cada hora, valorizando cada palavra que ouvimos, cada som, cada imagem, cada rosto amigo, cada beleza com a qual temos contato em um único minuto, o minuto do agora. Mas a individualidade é necessária - assim como a noção de que haverá, talvez, muitos minutos seguintes, e só nós podemos decidir o que faremos deles. E essa individualidade se constrói em convicções, em certezas íntimas, em algo maior que as circunstâncias. Quase como aquele amor que temos pelos nossos familiares, então, que independe de qualquer erro, qualquer mágoa, qualquer distância, assim acho que devemos também amar nossos princípios, nossos objetivos: independente de qualquer circunstância ou conjuntura que nos envolva, de qualquer falha ou desilusão. Porque a verdade é que, no fim, essa beleza momentânea, esses rostos amigos, essas palavras que ouvimos, essa música que escutamos, tudo pode ir embora, e é provável que o único elemento capaz de unir tantos instantes soltos ao longo de nossa existência não seja outro que não nós mesmos.
As pessoas vão embora, por motivos diversos. Algumas de forma mais suave, branda, simplesmente levadas por caminhos diferentes. Outras de forma abrupta, por meio de uma mágoa, um desinteresse repentino, uma ânsia de se desligar do que está ao redor e buscar outros semelhantes e outras histórias, ou, de forma mais trágica, deixando de existir entre nós. E a pior situação de todas deve ser encontrar-se com aquela sensação de que todos seguem adiante e você ficou pra trás, imutável, vendo todos ao longe e com um vazio impreenchível, tamanho o esvaziamento de qualquer resquício de ideais, tamanha a anulação, também, por meio da ingênua crença de que o bem e a satisfação estão sempre no ambiente externo, e nunca em si mesmo.
Essas palavras não são motivadas por uma ausência ou objetivo frustrado específico. Vêm antes da difícil avaliação que precisa às vezes ser feita, intimamente, de o que queremos ser, ou melhor, se seremos algo ou apenas um mero rascunho sempre alterável, de acordo com veleidades as mais variadas.
Vou citar ainda um outro filme (eles sempre me socorrem quando fico sem palavras).... Em “As horas”, uma personagem fala: “O que significa arrepender-se, quando não se tem escolha?” É assim que me sinto. Tudo o que faço e tenho feito é, no mínimo, honesto... Vem da espontaneidade, da vontade de ser verdadeiro comigo mesmo, da necessidade de acreditar que “essa vida, sem o amor, seria uma molecagem” (para não perder o hábito de citar Fernando Sabino).
Não é fácil preservar o amor-próprio nem a possibilidade de construir e de conciliar individualidade e a valorização do outro, evitando os extremos - o egoísmo ou a auto-anulação. Por isso escrevo: porque há dias em que a motivação nos some, o desânimo pesa, e quase que não podemos com aquele aperto, aquele nó que o medo nos impõe. E mais difícil ainda é agir e entender que essa ação nos leva, ao longo de dias ruins, ao encontro de momentos melhores. Por isso quero preservar esse instante em que tudo parece tão claro, em que tenho consciência do esforço necessário para corrigir posturas, para evitar atitudes impensadas que acabam fazendo mal. Por isso é que isto ficará escrito, mesmo que seja demasiadamente longo ou pessoal e, portanto, não desperte o interesse de muitos. É meu, reservo-me o direito a este espaço, nesse blog que tão necessário será ainda, para mim.

"Esse é só o começo do fim da nossa vida
Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida
que a gente vai passar"

sábado, outubro 16, 2004

É impossível para mim comprar algo para vestir sem chegar à triste conclusão de que algum dia ainda andarei nu e descalço por aí, tamanha é a minha estupefação com a falta de limites da indústria do consumo.
Não me refiro aqui àquelas excentricidades de milhares de dólares que os muito ricos compram em lojas luxuosas para exibir-se. A questão, na verdade, são aqueles estabelecimentos que atendem à classe média, abarrotados de produtos caríssimos cujo único mérito é possuir um nome conhecido, e que graças a isso conquistaram entre a população o status de qualidade e diferenciação.
Como alguém pode ser capaz, por exemplo, de pagar R$ 250,00 ou R$ 300,00 em um simples tênis, que não serve para mais nada senão calçar os pés e contribuir para o bem estar físico e a estética de um indivíduo? Antes, ainda: como chegamos a esse ponto em que empresas são capazes de elevar de forma absurda seus preços, apenas por contarem com uma poderosa grife, e fazem isso com a ampla compreensão e aceitação das pessoas, que não enxergam absurdo algum nessa situação que, analisada mais atentamente, revela-se um verdadeiro contra-senso?
Talvez eu devesse ser um dos mais aptos a responder a essa questão, dada a minha formação acadêmica, mas a verdade é que, além de qualquer explicação mercadológica de necessidades de consumo, técnicas de diferenciação de produtos, fortalecimento da marca, etc, o que me falta é o entendimento de como chegamos a tal nível de sacrifício, em que meros objetos são valorados de forma irreal, criando padrões de consumo insustentáveis em longo prazo para todos e, desde já, inacessíveis a tantos. O que me falta é também a tolerância para aceitar que podemos gastar o dinheiro que qualquer pessoa que trabalhe de verdade, nesse país, sua tanto para ganhar, enfim, uma quantia que compraria tanta comida e com a qual famílias sobrevivem durante o mês inteiro, em um simples calçado.
É quando vejo algo assim, então, que paro um pouco para tentar solidificar ainda mais a minha convicção de que tudo isso é um absurdo, de modo que, se algum dia eu chegar realmente a ser ainda mais parte dessa minoria capaz de consumir, eu lembre de quão estúpido é esse modo de vida em que ficamos submersos, às vezes.

quarta-feira, outubro 13, 2004

Morreu o Fernando Sabino. Recebi a notícia um pouco atrasada, tão ausente do cotidiano que estive durante este fim-de-semana e feriado. No carro, ontem, de volta a Recife, recebi uma mensagem comunicando-me de sua morte. Primeiro susto. Cerca de uma hora depois, ainda na estrada, a lembrança: ontem seria o dia do seu aniversário! Segundo susto. O que significa morrer às vésperas do seu aniversário? Nada, talvez, mas o momento final de alguém sempre tão encantado pelos mistérios da vida, religioso que era e com uma fascinante interpretação metafísica do cotidiano, não poderia mesmo estar ausente de uma curiosa coincidência como essa.
Curioso também é notar que Sabino, que sempre demonstrava uma grande vontade de preservar a criança que havia dentro de si, nasceu no dia das crianças. Conforme afirmou em seu livro “O menino no espelho”:

"Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam:
-Que é que você quer ser quando crescer?
Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino."

Este livro, então, representa esse desejo de ser criança, de preservar a pureza e a inocência infantis, de modo que, de tão simples e ingênuo que é, chega a ser simplório, valendo mais pelo seu simbolismo, ou seja, por representar da melhor forma possível essa vontade de ser criança eternamente, de não perder o humor, o otimismo, a simplicidade e a capacidade de encantar-se pelas coisas simples.
Não sou tão apaixonado pela obra de Sabino como a minha admiração pelo escritor pode sugerir. Ele, na verdade, foi criticado muitas vezes por ter optado por gêneros mais “simples e fáceis”, como as crônicas e os contos, em vez de dedicar-se a obras mais ousadas e profundas como foi O encontro marcado, seu livro mais conhecido. Esta é uma crítica com a qual de certa forma concordo. Posso dizer, no entanto, que para mim bastaria que este mineiro tivesse escrito unicamente este romance para que eu o admirasse e nutrisse por ele aquela gratidão meio abstrata que sentimos pelas pessoas que nos ajudam a crescer emocional, espiritual e intelectualmente.
A leitura de suas cartas (do livro Cartas na mesa – Aos três parceiros, meus amigos para sempre, em que ele publica sua correspondência com os três companheiros de toda a vida, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende) veio aumentar, posteriormente, esta admiração que cresceu ao longo do tempo.
Não colocarei aqui, hoje, nenhum trecho do livro O encontro marcado. Já o citei muitas vezes, e não seria novidade dizer que tudo o que está escrito no livro fala por mim, me representa, diz o que não consigo dizer e expressa não só boa parte do que era quando o li pela primeira vez, em 2001, mas também muito do que eu gostaria de ser, da visão de mundo que eu gostaria de preservar, do que ainda sou e do que me transformei desde então, e enfim, do que considero também como ideal e busco sempre, embora muitas vezes não alcance.
Vou terminar esse post, portanto, com uma idéia bem simples, expressa no livro O tabuleiro de damas. Segundo Fernando Sabino, “o tabuleiro não é nem branco com quadrados pretos, nem preto com quadrados brancos, mas de outra cor, com quadrados pretos e brancos”. A busca dessa outra cor, do que está escondido nos fatos, nas pessoas e nos acontecimentos e o encantamento com esse mistério da vida é que me fascinam. Também vejo tudo, inclusive a mim mesmo, como esse tabuleiro, que traz algo escondido e que está além da obviedade do que se vê, do que é explícito. Também busco reconhecer na vida esse mistério, essa cor de difícil percepção, e Fernando Sabino ajudou-me, como deve ter ajudado a muitos, não a encontra-la, mas pelo menos a reconhecer a sua existência e a importância de persistir nessa procura ousada.

quinta-feira, outubro 07, 2004

Há algo de muito errado com o mundo... Não sei bem ainda o que é, mas que tem, tem...

...

Esqueci de comentar aqui, mas revi recentemente o filme Persona, de Ingmar Bergman (pela terceira vez). Achei que vendo uma vez mais o entenderia quase que totalmente, mas é incrível como, no fim, acabei foi “desentendendo” tudo que tinha entendido antes. Aquele filme é uma loucura, simplesmente, não dá pra tentar entender nada ao pé da letra.
Bom, mas porque lembrei dele agora? Enfim... Continuo gostando dele, mesmo que me pareça que Bergman e seu filme são um poço de pretensão, que as explorações psicológicas do roteiro de Persona são pra lá de herméticas e confusas e que eu nunca vou conseguir entender psicanálise a ponto de analisar o conteúdo desse filme (é notória a influência da psicanálise nos filmes de Bergman, e isso não sou quem digo, e sim os grandes entendidos em cinema e na obra desse cineasta).
Acho, no entanto, que a força de certas imagens e de certas idéias comunicadas por meio de uma película, de uma cena, não podem ser expressas em palavras, explicadas ou entendidas tão racionalmente. E é isso: as imagens de Persona às vezes representam tão bem certos sentimentos e certa visão de mundo, o que, como disse no post anterior em que escrevi sobre esse filme, acredito que é um dos objetivos da arte, afinal, que não consigo deixar de gostar desse filme.
Há algo, sim, de errado com o mundo. Tenho estudado História recentemente, e essa semana, em especial, li a respeito da Segunda Guerra Mundial, dos regimes totalitários e dos crimes políticos de Stálin. E acho que nada tem representado melhor a minha perplexidade diante desses grandes conflitos e dessa barbárie quanto a cena em que a atriz Elisabeth Vogler, perplexa, assustada, depara-se com a cena no noticiário de um manifestante ateando fogo ao próprio corpo, no meio da rua, em protesto. Nessa cena está representada toda a impotência de um indivíduo perante a violência, o desrespeito e a ganância, e também a impotência do próprio artista, que sente-se incapaz de transformar a sociedade, tem sua sensibilidade peculiar ferida pela dureza de interesses absurdos e percebe a dor das pessoas, a revolta, o desespero, mas nada pode fazer a respeito, simplesmente fica mudo, sem palavras.
Não foi, no entanto, essa história toda de Segunda Guerra Mundial, nazismo, fascismo e guerra que me fez escrever esse post. Esses fatos nós já conhecemos, e a desilusão por conhecê-los, de certo modo, já foi sofrida e um pouco assimilada. O que me faz realmente pensar em quanto erro, quanto desarranjo existe por aí é a falta de rumo que percebo em tantas pessoas, sem saber o que priorizar na vida, valorizando escolhas que não as suas, optando por valores que não os satisfazem, convenções que não põem ordem em absolutamente nada, só confundem ainda mais a todos, e elegendo como meta fundamental na vida o acúmulo, o poder, o engrandecimento social, que satisfaz mais aos outros que a si mesmo. Pessoas que não enxergam poesia nenhuma na vida, vivem por inércia e nem sequer percebem isso, pois acham que estão apenas sendo determinadas, fortes, decididas, quando na verdade estão sendo mecânicas, direcionadas, anestesiadas.
É dessa miopia individual que, em um contexto global, surgem as grandes tragédias humanas. É assim que acolhemos um pouquinho, dentro de cada um de nós, a semente dessa barbárie que, quando amplificada, parece tão insana e inexplicável. E talvez seja da tentativa de combater essa semente e da busca difícil de um sentido maior, que esteja acima deste engrandecimento insatisfatório, que surge a infelicidade. Porque quem está anestesiado não sente, nem percebe que é infeliz, e apenas quem tem a grande ambição de encontrar uma motivação mais verdadeira tem que lidar, todos os dias, com as conseqüências da sua frustrada busca.

quarta-feira, outubro 06, 2004

- Que é isso? É uma placa de formatura, é?
- É...
- E comprou no Bompreço, foi?
- hauhauhauhaua

Do dia em que tive que carregar pelas ruas da cidade, em uma sacola de supermercado (e levar para o trabalho, inclusive) a “justa homenagem” pelos meus cinco anos de picuinhas acadêmicas. :p

terça-feira, outubro 05, 2004

Ao tentar escrever o post anterior lembrei, imediatamente, de uma crônica de Clarice Lispector que fala do pensamento como um jogo, uma forma de diversão ou distração, embora perigoso. Em um trecho, por exemplo, ela cita o hábito de enumerar sentimentos que carecem de um nome para serem expressos:

“Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada - e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?”

Digo que me lembrei desta crônica porque foi assim que me percebi ao tentar escrever este último texto que postei: como se estivesse diante de um destes sentimentos sem nome, de idéias que não poderia explicitar. Talvez por isso a sucessão de períodos intermináveis, a desarticulação de idéias, o resultado um pouco vago e a certeza de que, em alguns pontos, não falei bem o que queria. Pensei ainda em “guarda-lo até amanhã”, para relê-lo com olhos de leitor e ver se ele não estaria ininteligível. Mas decidi no entanto posta-lo aqui, logo, pra me livrar de algo que desde algumas semanas atrás considerei importante expressar.
É possível que tenha existido algum sentimento ruim que motivou este meu texto, mas, se houve, não foi aquele tipo de piedade humilhante ou de compaixão fundamentada na pretensão da superioridade, e sim a inveja por uma força e uma humildade que não tenho e a decepção pela insensibilidade de tantos, como no momento descrito pude constatar. Além disso, houve a tristeza, também, pela própria irresponsabilidade que me faz consumir inadvertidamente, acho, os frutos deste tipo de trabalho árduo e dessa busca diária da sobrevivência. De resto, nada de distanciamento. Como disse, para mim tratam-se de realidades indistintas.

...

Esta crônica que mencionei está no livro “A descoberta do mundo”, de Clarice, que reúne (em ordem cronológica) as contribuições semanais da escritora ao Jornal do Brasil, no período de agosto de 1967 a dezembro de 1973. O livro traz, portanto, uma grande quantidade de textos (mesmo!, são quase 500 páginas) em forma de crônicas, pensamentos, comentários, reflexões, pequenos contos... É engraçado pensar que, pela ordem cronológica, a periodicidade, a abordagem de acontecimentos pessoais e o comentário a respeito dos fatos da época, bem como a própria variedade de estilos, o teor e a leveza dos textos, é como se estivéssemos diante de um... blog! hehehe Isso mesmo. Se Clarice estivesse viva hoje e resolvesse ter um, acho que seria mais ou menos isso que iria sair... :p
Acho que essa comparação com um blog dá uma boa idéia do teor dos textos, neste livro. Não há nada tão elaborado ou particularmente genial (pelo menos até agora) como podemos encontrar a cada página dos seus romances - o que é óbvio, em se tratando de textos para uma coluna de jornal, com prazos semanais de entrega e uma linguagem mais “fácil”.
O talento dessa escritora, no entanto, se revela a cada página, na subjetividade com que trata temas tão factuais e no surgimento de reflexões sensacionais a respeito de questões às vezes tão comuns. Um bom exemplo é a crônica de 1967 em que Clarice fala a respeito do primeiro cosmonauta a ir ao espaço:

“- Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.
- Se eu fosse o primeiro astronauta, minha alegria só se renovaria quando um segundo homem voltasse lá do mundo: pois também ele vira. Porque “ter visto” não é substituível por nenhuma descrição: ter visto só se compara a ter visto. Até um outro ser humano ter visto também, eu teria dentro de mim um grande silêncio, mesmo que falasse. Consideração: suponho a hipótese de alguém no mundo já ter visto Deus. E nunca ter dito uma palavra. Pois, se nenhum outro viu, é inútil dizer.”

sexta-feira, outubro 01, 2004

Nessa existência um pouco irritada de apatia e melancolia cotidianas, nem sempre enxergo com sensibilidade os sutis caminhos da identificação solidária e cúmplice, tampouco da comoção que tal sentimento de aproximação a realidades indistintas proporciona.
Se há algo, no entanto, capaz de mascarar qualquer vulgaridade e mesquinhez possivelmente atribuídas ao ser humano, às vezes tão único e avulso em sua solitária luta e penar cotidianos, e emocionar-me, é aquele esforço quase sobre-humano de árduo trabalho, sobrevivência e construção de uma dignidade inalienável.
Assim, encontro-me ainda um pouco comovido, sempre, ao relembrar uma expressão timidamente humilde, não obstante de uma mulher forte, trabalhando com afinco pela construção de uma possibilidade que o tão elogiado senso coletivo não lhe proporcionou. Envergonhada, sem saber bem de quê, calada pelo receio de falar, pela suposta falta de modos, pela inadequação àquele tipo de exposição, àquela situação em que se encontrava, tão perdida, tão rodeada de rostos bem cuidados e personalidades impenetráveis, irredutíveis em sua certeza petulante de suposta superioridade, enfim, mal cabendo em si de tão deslocada, numa sensação de incômoda timidez, simplesmente trabalhava.
Vendia pequenos lanches, a preços módicos e com muita dificuldade, superando preconceitos advindos de mentalidades grandiosas. Eram apenas lanches, algo para matar a fome, algo barato, simples, desprovido de sofisticação e arrogância produtiva. Lanches, apenas, feitos com capricho, imagino, e cuja comercialização renderia uma modesta renda, talvez... Para sua família? Para si, somente? Apenas suponho.
E ela que era toda inadequação, as palavras engasgando, ditas de forma titubeante ainda que orgulhosa... Sim, orgulho!, do tipo que só a sua dignidade poderia proporcionar. Dignidade conquistada com honestidade, trabalho, esperança - e força, sobretudo. Arrisco-me, sim, a falar em sua honestidade, embora não a conheça, mas acredito ainda na existência dessa honestidade que floresce da humildade, da solidariedade e do amor familiar, da força encontrada nessa paixão pela sobrevivência, pela vitória diária do ganho, dos frutos do esforço e da perseverança popular.
Vendeu apenas um lanche, naquele dia, para aquelas tantas pessoas. O que sobrou estragaria? Seria uma perda, um prejuízo para alguém já tão sem recursos? As respostas não tive, nem preciso, porque sei que a luta continuaria a cada hora seguinte, sua decepção pela impossibilidade de interação permaneceria velada e sua força seria maior, bem maior que a minha, certamente, que ainda sirvo-me apenas do fruto de outros trabalhos, de um suor que não é o meu.
Não era mesmo para aquelas pessoas, aquele lanche. Eles todos tão bons, tão cheios de posse, não haveriam mesmo de comer ali, em pé, no calor, um simples lanche barato. Mas eu fiquei ainda, sempre, com a lembrança silenciosa do fruto daquele e de outros trabalhos e do suor de pessoas tão próximas, fruto e suor estes consumidos às vezes aos tropeços, à revelia e impensadamente - desatino de uma insensibilidade injustificável.
Eu também estive lá, em pé, no calor, mas sem comer, igualmente. Fome eu já não tinha, mesmo.

quarta-feira, setembro 29, 2004

“- Esse menino não come nada, Maria Luísa!
- Não sei o que é isso hoje, Carlos! Meu filho, coma ao menos a goiabada...
Que goiabada nem mané goiabada! Eu estava era pensando nas minhas estrelas, doido por enxerga-las.”
Contos novos, Mário de Andrade

terça-feira, setembro 28, 2004

Ainda sobre o real e o virtual...

Juro que não vejo problema algum em usar a tecnologia pra aproximar as pessoas. Eu sou um viciado assumido em msn, e cada vez mais consciente, por sinal, da necessidade de controlar meus arroubos de comunicabilidade virtual, que duram horas e rendem muitas noites em claro. No msn até já conheci pessoas, e a ele com certeza devo o fortalecimento de muitas amizades. Por meio dele tem sido possível manter-se próximo a pessoas que não vejo freqüentemente e ter longas conversas inviáveis no dia-a-dia não-virtual.
O msn também é meio confessionário, oráculo, divã, sei lá... A gente fala o que não tem coragem de dizer pessoalmente, tem conversas decisivas, briga, ri sozinho na frente do computador, pede desculpas, isso com toda a expressividade que as palavras permitem. Tudo isso, no entanto, sempre em função do real, do cotidiano, da aproximação física... Por exemplo: uma outra função não mencionada mas essencial do msn – uma das mais importantes na verdade – é a sua grande importância na articulação de festas, bebedeiras, programas culturais, cineminhas de domingo, comilanças em rodízios, etc, etc. Meus fins-de-semana tornaram-se inegavelmente mais agitados após o msn, e tem sido mais fácil também lidar com o marasmo de certas tardes de domingo.
Então, esta ferramenta virtual, sim, é que é digna de aplausos, porque proporciona contatos de grande valor... Mas há tanta gente fora dela que adoro; há tantos que estão nela mas aos quais já digo tudo que penso, e todos os dias até, se possível; há tanto mistério nas ligações que unem pessoas vida afora, por tão diversos motivos, ou até mesmo pela ausência de motivos, pelo simples prazer de conviver, compartilhar; há tanta felicidade na proximidade verdadeira, em identificar peculiaridades, gestos, maneiras de olhar, diversos tons de voz, expressões faciais, nuances... Tudo isso tão bom, no ambiente não-virtual, que esta ferramenta mesmo acaba por tornar-se, também, inútil, se não contribuir para essa aproximação real ou se, oferecendo a comodidade de evitar o sempre tão arriscado contato direto, ofuscar o encontro diário entre as pessoas.

segunda-feira, setembro 27, 2004

No mundo virtual é assim...

Eu juro que eu ainda descubro a razão de ser desse tal de orkut. Primeiro de tudo: qual a finalidade de sair adicionando gente na sua lista de amigos, se você dificilmente usa a tal rede pra entrar em contato com eles? Que eu saiba, ainda é muito mais fácil usar o e-mail, o msn, outras ferramentas MUITO mais interessantes, por sinal. Parece mais uma corrida para colecionar figurinhas, ou um meio mais eficaz de se espalhar spams e e-mails com informações inúteis, que nunca leremos.
Esse primeiro ato praticado pelos usuários, de adicionar pessoas, dá origem a uma série de outros, e se o primeiro se explica pela necessidade de se criar ligações que nos levem às tais “pessoas inesperadas”, o que é a grande promessa do orkut, os demais não há quem justifique.
Há desde aquele lugarzinho onde se escrevem testemonials até os famosos rankings. Se é pra inflar o ego ou pra que todo mundo saiba o quanto você é querido eu não sei, mas a verdade é que é o tipo de coisa que não faz muita diferença... Afinal, no orkut todo mundo tem um pouco de defunto – nobre, digno, caridoso, companheiro, amigo... E os rankings, então, são terríveis: não sei se entendi direito o que significam aquelas carinhas, coraçõezinhos e cubinhos de gelo (tudo assim, muito meiguinho): um parece que é pra medir o quanto você é sexy (?!), outro diz o quanto você é legal... Deveria ter como medir também o quanto você é mala-sem-alça, o quanto você se assemelha ao famoso pé-no-saco, ou chute-no-ovo... Pelo menos ia ser um pouco mais esculachado! :p
Podem chamar de dor-de-cotovelo, indício de um comportamento anti-social crônico ou rabugice, mesmo. Mas a verdade é que se fosse depender de mim sair juntando, nessa nova mania, um monte de gente sob a alcunha de “amigo”, eu seria o mais solitário dos freqüentadores dessa famigerada rede de relacionamentos... Não foi à toa que quando eu comecei esse blog ele mencionava, no próprio endereço, a idéia do anacronismo: pra mim, ainda se fazem amigos em bares, na rua, bebendo cana, tomando caldinho, falando besteira, discutindo... No msn pelo menos as duas últimas ainda são possíveis!
No orkut, nem isso.
Enfim, pra terminar essa história de orkut: ele tem aparentado, pelo menos por enquanto, ser sem graça, inútil e além disso, ser responsável também (não se pode esquecer) pela difusão de um monte de idéias e informações equivocadas. Mas há algumas comunidades hilárias, e realmente há pessoas interessantes... Então, por enquanto vou ficando por ali, vendo o que o orkut pode me render de positivo.
Ah! Queria também, apesar de tudo, agradecer pelos testemonials (Ceci, bolei de rir com o seu! :p). Adoraria escrever pra todos os meus amigos, mas se até pra comentar em blogs alheios eu tenho vergonha, quanto mais pra ter esses rompantes de emotividade e sair falando o quanto eu gosto de todo mundo. Gostaria de agradecer também às almas caridosas que me deram uns cubinhos de gelo, umas carinhas, uns coraçõezinhos... Fiquei tão feliz que vou aumentar o ranking de vocês todos, viu? Hehehehe. Brincadeira...

quarta-feira, setembro 22, 2004

Segunda-feira

Erguendo-se às pressas, aos tropeços, coração incerto, cabeça cheia no fluxo e refluxo de angústias, ainda a mesma sensação de aperto que retorna, a substância do medo correndo por dentro.
Perturbação de urgência, euforia de álcool, mutismo de insone. Ao redor, expressões passivas, impenetrável normalidade. Dizer, não dizer, dizer, não dizer... Explodir em um acesso de raivosa melancolia? Balbuciar a temida loucura, a humilhante tristeza destoante, sim, a que destoa da tristeza permitida, explicável, a tristeza prática, a decepção pragmática dos fortes?
Busca do controle físico, respiração deliberada, olhos semicerrados, caminhada a longos passos. Pensamentos reconfortantes - voltar a si.
Cabeça erguida, dia agradavelmente curto.
Fim de semana... findo.

terça-feira, setembro 21, 2004

“Não és bom nem és mal, és triste e humano.”
Olavo Bilac

Uma poesia minimalista - visual e auditiva - para aguçar os sentidos. Não há melhor forma de se definir o filme exibido no último dia 09 pelo Cine Peter Dráckula. Aproveitando a temática latina da última calourada, que teve o sugestivo nome de Cuba Cabe Aqui, o cineclube da nossa faculdade decidiu ir mais fundo na investigação do peculiar cotidiano dos moradores dessa fascinante ilha que provoca debates, conquista admiradores e atiça os ânimos daqueles que se propõem a avaliar, politicamente, sua realidade.
O que se viu, no entanto, esteve muito longe da exaltação apaixonada do regime de Fidel Castro, dos líderes revolucionários e dos ideais representados pela resistência cubana, ainda um dos poucos países a manter uma postura contrária à lógica estadunidense de poder e “crescimento”. Não houve, também, a construção de uma imagem anacrônica da ilha - o que poderia representar uma acusação velada de um suposto modo de vida estagnado, atribuído por muitos a ideologias insistentemente caracterizadas como ultrapassadas - nem tampouco uma tentativa de descredibilizar a luta de seu povo por meio do ressalto de suas mazelas ou de suas dificuldades econômicas e sociais.
Isto porque, antes de tudo, em Suite Habana o diretor Fernando Pérez nos apresenta a habaneros comuns, de modo que sua sensibilidade e delicadeza espantosas nos permitem elevar o nível da nossa apreciação desse povo, desprovendo-nos de preconceitos, esquematismos ou paradigmas políticos. Assim, somos capazes de desfrutar de um retrato magnificamente humano (e talvez poucas vezes antes presenciado na sétima arte), de pessoas simples, seus sonhos, suas dificuldades, suas rotinas, suas atividades e todos os acontecimentos ordinários que permeiam suas vidas, sem, no entanto, serem de modo algum considerados banais, irrelevantes ou sem sentido.
Tal documentário, longe de ser chato ou difícil, nos apresenta uma sucessão de belíssimas imagens, costuradas pela lógica do tempo (o filme se desenvolve ao longo de um dia), unidas pela dinâmica da coletividade (as cores e sons urbanos) e marcadas pela realidade social e histórica do que apresentam. A ausência de diálogos, narração ou entrevistas contribui, curiosamente, para facilitar nossa identificação com cada uma das pessoas retratadas. No silêncio, distanciamo-nos de possíveis julgamentos, contemplando apenas a beleza e a poesia de ser humano.
Engana-se, no entanto, quem acredita que, retratando Havana de forma tão honesta e dotando seu filme de uma curiosidade artística tão universal, o diretor nega as peculiaridades de seu país. Fernando Pérez é honesto com cada cidadão de Cuba, com sua paixão, sua beleza, suas dificuldades. Sua mensagem está lá, sutil, na ressaca do mar que avança sobre a ilha, no retrato de um herói na parede (parecendo ora distante, ora integrado à realidade que presenciamos) e, acima de tudo, na simbólica e comovente cena da garota que balança alegremente a bandeira de seu país, que aparece ludicamente em meio a uma brincadeira infantil.

Texto escrito após a sessão do cineclube da FCAP, para o Informativo do DA, o Olha só...

sábado, setembro 18, 2004

Voltando à nossa programação normal...

Usina: espaço de geração e maturação de idéias, processamento de informações, reavaliação de conceitos...
Sabe-se lá porquê, há coisas que não se explicam...
O que se sabe, com a experiência que se mostra, é que não se pode ir a esta usina impunemente...

Um poema interessante só para animar essa tão insossa volta:

Em face dos últimos acontecimentos

Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, setembro 14, 2004

Um post honesto

Vou passar uns dias sem escrever aqui, pois tenho notado que os últimos posts não foram lá muito inspirados, e depois de aprender que não é bom censurar idéias e palavras quando se tem vontade de escreve-las, nem evitar publicá-las por receio de ser mal-interpretado ou por vergonha do que está sendo dito, é hora de aprender outra lição: naturalidade e controle de qualidade são coisas distintas... Não se deve confundir a liberdade de expressão com a banalização de sentimentos tão íntimos. Não é o caso, portanto, de sair escrevendo tudo que vem à cabeça, sem maiores precauções.

Os próximos dias deveriam ser carregados, pois tenho muitos trabalhos a fazer na faculdade, atividades no estágio e o desafio de retomar os estudos para o Vestibular. Além disso, meu punho dói, e já passo tempo o suficiente no computador enquanto estou no estágio ou cumprindo minhas obrigações acadêmicas. Além disso, não tenho dinheiro pra tratar tendinite, então é melhor me aquietar um pouco. Mas digo que deveriam ser carregados porque, se bem reconheço minha atual motivação, duvido muito que irei caprichar nos meus penúltimos trabalhos acadêmicos do curso de Administração. Definitivamente esse curso já deve ter me dado tudo que tinha a dar...

Sábado à noite, num desses momentos doidos de sensibilidade súbita embora não inconveniente, peguei-me no meio da Usina, depois de um dos grandes shows d’A Roda que já vi (contrariando, pois, a descontração de minutos antes), pensando no monte de coisas que tenho vontade de fazer... Momento efêmero, mas bonito, principalmente por ser só meu (e aí não há nada de egoísmo, entenda-se) em que reafirmei valores e planos que são anteriores a qualquer circunstância social, a qualquer influência mais direta de terceiros... Coisas que quero aprender, conhecer, incorporar à minha vida, somar... Talvez meus desejos mais honestos. E é bom, afinal, renovar um certo respeito por nós mesmos, uma certa reconciliação desmedida com individualidades, uma reviravolta naquele impulso constante de forçar uma realidade que só poderia mesmo concretizar-se de forma imposta. Sei lá o que me trarão os outros, que tipo de sentimento e atitudes para comigo...

Os próximos dias bem que poderiam ser consagrados ao ordenamento de determinadas idéias ainda bastante desarranjadas, à superação de algumas constatações melancólicas, ao encontro de uma almejada tranqüilidade... Mas o alcance de tais objetivos nunca é garantido... O que posso, então, é consagrar estes dias a um pouco mais de leitura, a um pouco mais de descanso e, acima de tudo, ao enfrentamento de certas questões bastante pertinentes... E com isso, apenas tento ser honesto (mais uma vez uso essa palavra) comigo mesmo, pra poder depois retomar meus textos verborrágicos, pra continuar sorrindo de forma sincera como sempre busquei fazer... E não, não é necessário que ninguém “busque me resgatar das profundezas da minha mente perturbada”... Estou bem, creio! :p

Essa semana será de bastante Buena Vista Social Club (efeitos da calourada e, principalmente, do cineclube, ainda) e de leituras diversas, espero... No fim de semana já devo estar de volta. Até lá estarei – espero - um pouco mais em off.

Ah, mas só pra não perder o hábito, vou postá-lo, deixa-lo falar por mim:

“Era como se ele, apenas ele, excedendo a si mesmo, num movimento brusco saltasse fora da engrenagem e, desgovernado, pudesse ver de longe o mundo pacífico e feliz de que não sabia participar.” O encontro marcado, Fernando Sabino

segunda-feira, setembro 13, 2004

Vagabundo globalizado

Há uma música que, não importa quantas vezes a escute, sempre me emociona... Pela sua capacidade de traduzir todo o meu apreço por essa cultura e por esse espaço que tanto aprendi a gostar, nos quais aos poucos me reconheço e que hoje afirmo que me representam... Pelo momento delicado em que se dissolve sua melodia, pela certeza de que não haveria forma melhor de retratar todo esse estado de espírito, que só poderia mesmo ser verbalizado nessa linguagem “futurista-surrealista”, nesse universo tão imaginário e ao mesmo tempo tão próximo e concreto que Lula Queiroga bem criou e que é, sim, o que eu penso, o que eu entendo, pouco importando o que ele quis dizer realmente. Espero ouvi-la sempre como essa boa lembrança do meu afeto por tudo que hoje estimo tanto e que é meu, somente, não importando que persista esse medo, esse aperto que apenas às vezes torna-se perceptível.

“...No futuro a onda é diferente
Mas tem miséria igual
Tem solidão também
A minha janela dá pra um céu escuro
Mas aqui é o futuro, mãe

A cozinha lá de casa não tem gravidade
E se eu abro a torneira
A água voa
E as panelas saem pra passear
Sob a garoa...”

domingo, setembro 12, 2004

Mosaico

Para abstrair o instante indecifrável.

...

“O Brasil começou em Pernambuco”

Recife, nada mais necessário... A cidade e eu. O sonho da atitude estética diante da vida: ruas vazias, bar, música, álcool... Ninguém mais para perturbar meu doce entendimento. A cidade respira, e sempre a estimarei...

...

Baixando a trilha sonora de Mulholland Drive. Meus sonhos deverão ser, a partir de agora, um pouco mais surreais.:p

“There is no band, and yet we hear a band!”

quinta-feira, setembro 09, 2004

L'Homme Révolté

Venho de um negro tempo irredutível,
anterior a mim.
Vou para um negro tempo desmedido,
infinito campo de ébano
onde me apagarei.
De uma escarpa a outra,
transfixado entre negro e negror,
danço - centelha breve - o meu furor.

Hélio Pellegrino

terça-feira, setembro 07, 2004

Qualquer coisa que eu escrevesse aqui, hoje, já teria sido escrita por mim em outro momento. Não há nada na minha cabeça, creio, que não esteja registrado neste espaço, e qualquer resquício de pensamento novo não levaria ninguém a compreender o que quer que fosse.
Aliás, talvez seja hora de falar um pouco sobre isso. Tenho observado pessoas compartilhando sentimentos, idéias, complexos, crises, preocupações. Algumas delas, às vezes, parecem ainda estar naquele instante que antecede o entendimento de que não adianta, quase sempre, falar, explicar, detalhar, conjecturar... Quanto mais dizemos, mais também parece crescer a distância que existe entre aquele que sente e aquele que ouve. E foi passando por isso, também, por esse instante de incomunicabilidade, que aprendi que estamos, na maioria das vezes, sozinhos, sem ter muito com quem contar na hora de lidarmos com nossas emoções e nossas angústias.
Lembro de dias intensos, nos quais chegava em casa às vezes já a altas horas da noite e mesmo assim não queria dormir... Queria conversar, ligar pra alguém, entrar na internet, retomar conversas iniciadas horas antes, como se o instante de isolamento fosse demasiadamente difícil. Muitas idéias e sentimentos contraditórios na cabeça, preocupações, expectativa, e parecia que tudo isso era muito para uma só consciência, para um só interior... Era preciso extravasar tudo, deixar tanta ânsia transbordar, compartilha-las...
Em vão. Ainda hoje creio que, naqueles dias, ninguém pôde compreender totalmente o que se passava comigo, a lógica que havia por trás de tanta subjetividade... E isso foi há um bom tempo atrás.
Hoje, especificamente, está acontecendo o inverso: ficar em casa, calar, permanecer em silêncio, fora do alcance dos olhos, dormir, ouvir música... Tenho preferido tudo que possa ser feito sozinho. E temo que nesse comportamento haja um pouco de resignação, da certeza de que nada adianta, pois não há como explicar, como transferir para os outros a carga de tantas experiências individuais, e que não há, no fim de tudo, lógica alguma, só subjetividade, mesmo.
Cheguei, no entanto, a um outro momento. Uma fase em que, se não existe mais a tentativa desesperada de fazer-se entender, de conquistar um pouco de cumplicidade na tristeza, há pelo menos a certeza de que não sacrificarei minhas mais honestas dúvidas e reflexões em nome do coletivo. Quero dizer, resumindo: dou-me o direito de buscar o isolamento, de ficar mudo, de não parecer simpático, sem precisar para tanto de maiores explicações, pois, afinal, se elas não servem para aproximar-nos, para tornar-nos cúmplices de tantas incertezas, para que servem, afinal?

Ah, já ia esquecendo de dizer o quanto gosto desse blog, por poder aqui falar tudo sem me preocupar tanto em ser compreendido, sem excesso de cautela com o que é “politicamente correto”. Aqui posso ser irônico (como no meu orgulho em ser um estudante “asséptico”), falar sobre coisas sujas (“a sujeira orgânica, que apodrece, cheira mal”), falar sobre sentimentos ruins (“a nobreza da mágoa, vivida até seu esgotamento...”), descarregar minha revolta contra boa parte do movimento estudantil e seu monte de falsos transgressores, confessar meu mau-humor... Enfim, chutar o pau da barraca sempre que tiver de ovo virado e achando a vida ruim, como hoje...

segunda-feira, setembro 06, 2004

De volta a Recife... E há muito a separar o post irritantemente pernóstico que escrevi na sexta-feira de madrugada, meio bêbado (e que horas mais tarde ainda pensei em deletar, em uma atitude que reconsiderei, depois, em nome da espontaneidade) e este publicado agora, em uma tarde preguiçosa de segunda-feira “pré-feriado”.
Fim de semana permeado de moderação. Só não foi moderado o riso – a falta de noção, obviamente – e certas atividades mentais (ou seriam sentimentais?) irritantemente intensas de reflexão, análise...
Vontade incontrolável de voltar para casa bateu, em pleno sábado à noite, na Praça Guadalajara. Antes, alguns minutos em um Massilon triste, ouvindo música que mais parecia uma versão depressiva e boêmia das melodias da Tosca Tango Orchestra. Alguns perceberam e comentaram, e eu concordo: definitivamente havia algo de anormal naquela cidade.

sexta-feira, setembro 03, 2004

O importante é não ter grandes expectativas.
O importante é pensar no gole, no trago, no minuto, no silêncio...
O importante é, sim, o silêncio, a espera, a incerteza... Ou a não-espera, o momento.
O importante é o que geograficamente aguça os sentidos, é o descaso, o desprendimento, a dose de aguardente.
É Garanhuns, a mochila, a quebra na rotina e o que não se repetirá, mais, tão cedo...
O importante é o presente e uma pequena medida de anestesia, o que ainda é possível, o simples e o honesto agora, sem alegria, sem tristeza... O sublime, o instintivo seguir em frente, o pensar solitário...
O sublime.

quinta-feira, setembro 02, 2004

Seriam os terroristas xiitas islâmicos verdadeiros artistas, e o atentado de 11 de setembro uma grande obra de arte?

Estava casualmente vendo o site do Diário de Pernambuco e me deparei com uma reportagem, “Uma crítica à crítica contemporânea”, a respeito de uma palestra que ocorreu na Fundação Joaquim Nabuco, essa semana, com a pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda, especializada em estudos culturais e literatura. É uma pena que não tenha tomado conhecimento dessa palestra antes, mas por meio desta matéria foi possível perceber o teor da discussão, sempre muito pertinente, a respeito da arte produzida hoje e da condição dos artistas e da crítica na atualidade. Bom, melhor não emitir nenhuma opinião, porque não acho que a partir das poucas declarações transcritas pelo jornal possa conhecer plenamente as idéias desta pesquisadora, mas fiquei no mínimo intrigado. Discordo de algumas dessas idéias veementemente... Já ouvi argumentos semelhantes e acho até um pouco ridículo e banal tal enfoque a respeito da arte. Mas há também um ponto de vista muito interessante sobre o ineditismo de cada momento artístico, inclusive deste momento da arte contemporânea, que dificilmente poderá ser comparado a qualquer outro, sem uma análise maior do contexto histórico em que nos encontramos.
Só dois pequenos trechos, pra polemizar:

“Citando o teórico inglês Fredric Jameson, ela ainda falou da crise da emoção hermenêutica, que teria muita relação com o papel do crítico: ‘Antes a gente tinha aquele prazer de perceber que entendeu uma obra de arte. Mas hoje esse sábio perde a importância’.”
...
“Heloísa comparou os ataques de 11 de setembro a uma instalação, ‘um espetáculo de beleza absurda, sem deixar referências para leituras imediatas, sem autor definido’, mostrando que as reações diante do atentado são semelhantes à condição do crítico hoje, que estaria num ‘grau zero’.”
Diário de Pernambuco, 02 de setembro de 2004, Caderno Viver

Será que os meus amigos artistas – músicos, poetas, fotógrafos - caso se interessem pela leitura e pela discussão, podem emitir uma opinião, depois, pessoalmente? :p Quero ouvir opinião de pessoas com mais propriedade no assunto... Só digo que eu como admirador leigo, que sou, da arte, acho certas idéias uma grande bobagem.
P.S. Ah... Pra mim, isso só vem confirmar que eu estava certo quando tava tirando onda naquela época, em Carneiros, dizendo que hoje em dia é fácil demais ser artista. Aliás, tô até pensando em retomar aquela antiga idéia de fazer a minha instalação com garrafas de carreteiro. Alguém me ajuda a colher o material? :p

terça-feira, agosto 31, 2004

"Se procurar bem, você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida."

Carlos Drummond de Andrade
Indiferença (ou O orgulho de ser um estudante “asséptico”)

Não superestimo o ambiente à minha volta, como tantos outros o fazem. Sei dos meus privilégios, conheço minha história, moldo meu mundo. Reconheço minhas possibilidades, e estas são muitas. É, perspectiva vem de berço, talvez, e as minhas são várias... Tenho um nome, uma casa, uma casca – e esta sempre está muito limpa. Ajudo aos outros, mais por caridade que por outra coisa, mas não os reconheço: os “outros” não são meus semelhantes – estes, pois, reconheço de longe, estão ligados a mim pelo umbigo.
Observo muitos mundos de janelas: a do meu carro, a do meu apartamento, a da minha faculdade... Em frente a mim há sempre uma janela a dividir, em duas partes, o ar que nos envolve: do lado de cá, uma atmosfera resfriada de ar-condicionado, criando um tom de Suíça, aquela que não conheço ainda mas me falaram que é exemplo - de cidadania, de riqueza, de sucesso, de povo, de país. Lá fora, o suor goteja fartamente das frontes atordoadas pelo barulho, as roupas grudam na pele úmida, o hálito é quente de calor e cansaço, pessoas vão e vêm num desatino – não tenho pressa.
Minha vida é asséptica e doce. Rio, falo alto, gracejo, num descompromisso cego. Nasci alienado e cresço para alienar. Sempre faço o que é certo. E é hora de girar, mais uma vez, a roda do mundo...

sexta-feira, agosto 27, 2004

Post anterior: texto escrito no ano passado, acho, e uma pequena tentativa de falar a respeito de uma questão muito conhecida de todos... Dor física, enfermidades, cor, dimensões, aparência e estética, deficiências - corpo. Carne.
Adoraria lembrar, mas não me recordo mais, de uma interessantíssima fala do personagem do ator Betito Tavares na peça Karma... Só lembro que ele começa a descrever o ser humano, “dois olhos, um nariz, uma boca, dois ouvidos, um tronco que sustenta membros, cada membro superior com duas mãos, cada mão com cinco dedos, totalizando dez dedos...” e por aí vai... Isso para dizer, pelo que entendi, que os homens eram seres semelhantes, irmãos. Então, se bem me recordo, outro personagem aponta para alguém na platéia e pergunta algo do tipo: “Porque, então, ele é tão diferente de mim?” ao que o personagem de Betito responde: “É karma!”
Bom, com todo meu ceticismo, seria brincadeira dizer que vejo as coisas dessa forma. Mas, à parte qualquer tentativa de explicação mística ou existencial, a verdade é que tal descrição serve para a grande maioria da humanidade, e no entanto diz muito pouco. Além disso, uma grande verdade é também que não se pode negar o quanto as simples peculiaridades físicas, genéticas, raciais, já influenciaram a história da humanidade e influenciam, ainda hoje, cada ser humano, em particular. A discriminação racial; as limitações das pessoas que têm algum tipo de deficiência física; as vidas que de repente são viradas de cabeça para baixo pelo diagnóstico de uma enfermidade, mudando tantos planos; a aparência física e a beleza como fatores determinantes dos próprios relacionamentos, das formas de convívio social...
Trata-se de um assunto difícil: muitos consideram mediocridade admitir que a beleza, por exemplo, influencia o próprio nível de tolerância às pessoas e aproximação entre as mesmas, na sociedade, na vivência coletiva diária, na vida profissional, ou também e, principalmente, na vida amorosa. Estes criam frases bonitas, dizem que “o que importa é a alma”, ou algo do tipo... Mas, ora, não se trata de assumir como naturais valores imbecilizantes ou mercadológicos de sociedade, mas de reconhecer determinados fatores que subjetivamente motivam ou dificultam a aproximação, o aceitamento e o entendimento entre as pessoas.
Não quero com isso, portanto, defender valores fúteis, nem assumir uma postura fatalista, afinal, as pessoas superam deficiências, enfermidades, preconceitos, e são notórios os casos daqueles que superam tais “limitações” ou adversidades, tornando-se muito mais fortes, humanos e - o mais importante de tudo – felizes. Muito pelo contrário, é justamente o reconhecimento dessas diferenças, a solidão com que temos que lidar com essa condição de cada um, individualmente, e, enfim, a possibilidade de admitir a existência de tais diferenças que nos torna, acredito, mais humanos, mais tolerantes, mais solidários.
Enfim... Em plena época de intolerância racial, discriminação, segregação social, culto à forma física em detrimento da consciência humana (não me sinto à vontade pra falar na existência de uma suposta “alma”, no sentido religioso do termo), não é de endoidar qualquer um pensar que algo tão independente de nossas escolhas, como o é esse nosso “ser físico”, acaba determinando tantos aspectos da nossa vida? E da mesma forma, não é igualmente impressionante que seja por meio desse mesmo “ser físico” que vivenciamos tantos prazeres como, por exemplo, sentir a indescritível sensação de dar um longo mergulho no mar, ou demonstramos nosso afeto, ou criamos nossa própria linguagem, seja ela escrita, falada, ou apenas demonstrada pelo olhar...
Pode ser um tema difícil, mas é um bom desafio para os religiosos e uma motivação e tanto para quem não perde a oportunidade de pensar na morte da bezerra... :P

Para ouvir: Alpha Petulay